O GLOBO 06/07/2019
Nos 110 anos de seu nascimento, quem sabe iniciamos a recuperação de parte de seu importante legado carioca?
No próximo ano, o Brasil e o Rio estarão no centro do pensamento urbano mundial. Milhares de visitantes de dezenas de países, além de centenas de milhares de participantes das atividades culturais que se desenvolverão na cidade, terão o Rio de Janeiro como foco.
Sob o tema “Todos os Mundos, Um Só Mundo, Arquitetura 21”, aqui serão realizados três eventos globais importantes e correlacionados: o 27º Congresso Mundial de Arquitetos UIA 2020 RIO, evento trienal, o maior da arquitetura global; a programação decorrente da designação do Rio como primeira “Capital Mundial da Arquitetura — Unesco”; e o Fórum Mundial de Cidades Unesco-UIA.
Daí emanarão propostas para as cidades brasileiras e para as cidades do mundo que enfrentam desafios comuns, como a segregação espacial, a insuficiência de serviços públicos, a questão ambiental, entre outros, apoiados nos objetivos de sustentabilidade da ONU.
Será desejável que o Rio aproveite a oportunidade para buscar recuperar sua característica histórica de promotora de bem-estar. E isso começa em recuperar a sua autoestima.
Nesse sentido, duas dimensões podem ser elencadas: uma política, outra pragmática.
Na primeira, fazer do ano de 2020 o lugar para intensa reflexão sobre questões relevantes da cidade metropolitana, à luz da experiência local e internacional, buscando consensos possíveis e metas para as próximas décadas, onde se incluem, por certo, a segurança, o saneamento, a mobilidade, a moradia e os serviços públicos.
Na segunda dimensão, o preparo da cidade. É verdade que estamos acostumados a delegar aos governos todas as tarefas. Tendo o Rio sido capital, é forte esse costume. Não é mais o caso.
Ante as dificuldades no âmbito público, o envolvimento da sociedade é essencial. A saída desse quadro de dependência pode decorrer de projetos específicos, ainda que modestos. Recuperar a calçada de um quarteirão, por exemplo, pelo acordo entre os moradores, dando-lhe condições de acessibilidade universal.
Quem sabe as associações de bairro possam ajudar? Adotar uma pracinha, cuidando de sua manutenção, quem sabe? Oferecer nas escolas de ensino fundamental e médio, públicas e privadas, uma disciplina sobre o bairro, a cidade, a vida urbana, quem sabe?
Para além do rico patrimônio arquitetônico da Colônia ao Império, o Rio do século XX produziu obras reconhecidas pelo mundo todo, como a contribuição ímpar de Roberto Burle Marx, o expoente maior do paisagismo moderno universal.
Neste ano em que se comemoram 110 anos de seu nascimento, quem sabe poderemos iniciar a recuperação de parte de seu importante legado carioca? Obras tombadas de Burle Marx formam um roteiro único: começa nos jardins do Palácio Capanema, vai à praça do Aeroporto Santos Dumont, inclui o Parque do Flamengo, presente monumental que a cidade recebeu do talento desse artista e de gestores públicos de grande competência, chegando, depois, na obra-prima dos mosaicos de pedra portuguesa da Avenida Atlântica, em Copacabana, bairro que é a síntese do Rio para o mundo. Quem sabe lideranças empresariais fluminenses possam assumir a condução dessa tarefa espetacular, assim como Lota Macedo Soares o fez nos anos 1960?
Recuperar o roteiro Burle Marx, pelo que representa na cultura e no usufruto da população de toda a metrópole, bem como no encantamento do país e do mundo, poderá ser exemplo fundamental de condução compartilhada em busca do reerguimento da cidade.
A coesão de cariocas, fluminenses e brasileiros em torno da valorização de nossas cidades é caminho de democratização do espaço urbano e de superação das enormes dificuldades a que fomos levados. Não tenhamos dúvida, recuperar nossas cidades é também condição essencial para o desenvolvimento nacional.
O RIO 2020 pode ser um marco de entendimento em momento de tanta radicalização. Quem sabe?