Dificuldades na Europa e facilidades aqui criaram um clima favorável a que arquitetos estrangeiros fizessem projetos para o Brasil. São, em especial, integrantes do grupo de estrelas da arquitetura internacional.
No Rio de Janeiro, foram projetadas, entre obras públicas, a Cidade das Artes, pelo francês Christian de Portzamparc, o Museu do Amanhã, pelo espanhol Santiago Calatrava, e o Museu da Imagem e do Som, pelo escritório norte-americano Diller Scofidio + Renfro; no setor privado, há edificações assinadas pelo escritório inglês Foster e Associados, pela iraquiana Zaha Hadid e pelo norte-americano Richard Meier. Em Porto Alegre, destaca-se o Centro Iberê Camargo, projetado pelo português Álvaro Siza Vieira.
Diante disso, é recorrente a pergunta: a produção estrangeira faz bem à arquitetura brasileira? E à cultura nacional?
Desde logo, é preciso reconhecer que vivemos em uma época global, na qual o Brasil se insere como um país importante, rico, grande, de forte cultura. Nossa arquitetura tem o reconhecimento internacional e expressão compatível com tal realidade. Conjuntos arquitetônicos significativos perpassam a nossa história. Na modernidade, a arquitetura brasileira apresentou-se com grande vitalidade, com exemplares magistrais, como o edifício do então Ministério da Educação e Saúde Pública (1936), de autoria de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa, no Rio, assim como obras dos reconhecidos irmãos Marcelo, Milton e Maurício Roberto, de Affonso Eduardo Reidy, Rino Levi, Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e, sobretudo, a grande produção sob o traço de Oscar Niemeyer.
A cidade é a maior obra da arquitetura, o maior artefato da cultura. Cada edificação construída, cada espaço público desenhado, cada elemento urbano implantado contribuem para a vida social. Uma boa obra de arquitetura há de melhorar a cidade. E uma boa obra envolve valores relacionados à estética, à inserção local, à conformação do ambiente, às tecnologias adotadas, aos recursos disponíveis, às expectativas sociais, entre outros.
Assim, para melhorar a cidade, uma obra de arquitetura independe da nacionalidade, da etnia, da religião ou do time de futebol do autor do projeto. Há boas obras e há outras obras.
Para a cidade e para a cultura, cada boa obra de arquitetura constrói um mundo melhor.
Porém, no Brasil, a questão tem mais uma dimensão. Aqui, sendo o Estado o maior demandante de serviços de arquitetura, suas encomendas têm grande influência no conjunto produzido.
Mas, como se sabe, uma boa obra começa com um bom projeto. E ocorre que, há algum tempo, os governos brasileiros tem desconsiderado essa premissa.
Por leis sucessivas, que culminaram com a chamada “contratação integrada”, atribuiu-se ao empreiteiro da obra a elaboração do projeto para a obra que ele próprio construirá. Isto significa desconhecer a autonomia disciplinar do projeto, fruto da Renascença, e que orienta a produção arquitetônica no mundo todo. No Brasil, passou a ser acessória. Desconhece-se o projeto como categorial cultural significativa. É uma promiscuidade ética que tem afetado o desempenho da arquitetura nacional, não apenas no âmbito público. Trata-se de um dano enorme à cultura e à cidade.
É uma promiscuidade que igualmente afeta e onera os cofres públicos e a qualidade das obras, como demonstram sucessivos escândalos.
Nesse contexto, a presença de grandes arquitetos internacionais contrapõe-se a essa prática absurda, pois, para eles, é impensável transferir ao construtor o desenvolvimento de suas composições.
É claro que tais colegas devem trabalhar aqui em regime de reciprocidade, isto é, aos arquitetos brasileiros deve-se garantir a possibilidade de atuação no exterior.
A boa arquitetura é um instrumento para o desenvolvimento e a felicidade dos povos. Não a subestimemos.
Ciência Hoje 330 – Out 2015