Ciência Hoje, Nov 2011
Podemos afirmar que o desenvolvimento brasileiro é urbano e foi construído apoiado firmemente em seu sistema de cidades. Mas, para alcançar patamares mais elevados de desenvolvimento, o país precisa colocar a questão urbana em sua agenda política.
Em cem anos, multiplicou-se em mais de 40 vezes a população urbana. Éramos 4 milhões de citadinos no início do século passado, hoje somos 200 milhões de brasileiros, quase a totalidade vivendo em cidades.
As cidades não apenas acolheram populações crescentes como foram condição para que o próprio crescimento demográfico brasileiro pudesse ocorrer. Desde os anos 1960 que a participação da população rural decai na composição demográfica brasileira.
O Brasil constituiu um formidável sistema urbano com quase vinte metrópoles, sendo duas megacidades, São Paulo e Rio de Janeiro.
Contudo, importante característica de nossas cidades é o reduzido investimento público em infraestrutura, no que resultou em cidades majoritariamente construídas segundo os planos individuais das famílias –com uma débil estrutura urbanística orientadora. A autoconstrução habitacional é a tônica, as redes de infraestrutura vêm depois, muito paulatinamente, e os serviços públicos são precários e escassos. Os territórios foram ocupados alargadamente, como é característico quando o transporte rodoviário constitui-se hegemonicamente.
Nossas cidades são extensas e pouco densas. Se desse modo as cidades puderam se tornar o lugar da esperança por inserção social, também se constituem, hoje, em um importante passivo -passivo social, urbanístico, ambiental e de segurança pública-, expresso à vista de todos e também nos números oficiais.
Porém, estamos vivendo um tempo de inflexão no processo de urbanização. O crescimento demográfico tende à estabilidade. As taxas de crescimento populacional são muito baixas em várias metrópoles, inclusive no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Tendo sido o aumento da população um dos principais fatores de expansão das cidades, essa nova realidade de estabilidade produz um quadro radicalmente novo –que poderá ser promissor. Assim, será possível vislumbrar uma desejada qualificação das cidades brasileiras.
Existe, porém, uma pré-condição, que reside na forma da cidade, na medida em que há forte correlação entre possibilidades de atendimento dos serviços públicos e a forma urbana. Cidades bem servidas, saneadas, limpas, seguras, são incompatíveis com uma ocupação extensiva e pouco densa.
Na expansão urbana em baixa densidade podemos encontrar a perenização da escassez de Estado –mesmo que a impostos crescentes.
Ademais, para além das estatísticas, os desejos mudaram.
Hoje, já não basta morar na cidade. É preciso que as condições sócio-ambientais correspondam ao nosso tempo, onde a qualidade urbana e sustentabilidade ambiental não se alcançarão apenas com aumento de investimentos, mas com uma revisão de modelo urbanístico.
Assim, nas próximas décadas, o país seguramente precisará atuar no campo urbano em duas direções convergentes:
Primeira, reduzindo o passivo sócio-ambiental das cidades, com a urbanização dos assentamentos populares, com o investimento em infraestrutura e saneamento, e com mudança no sistema de mobilidade casa-trabalho, priorizando o transporte de alto rendimento.
Segunda, redesenhando as cidades em modelos mais compactos e mais densos, de modo a desestimular a ocupação extensiva, predatória de território, buscar a sustentabilidade ambiental e alcançar a universalização dos serviços públicos.
Penso ser inexorável essa dupla de premissas em benefício das cidades brasileiras, na medida em que o Brasil aspira a alcançar patamares ainda mais elevados de desenvolvimento.
A cidade extensa, ávida por território, deve dar lugar à cidade densa, ávida por qualidade ambiental e por bons serviços públicos.
É necessário que nossas cidades se redesenhem à luz dos desejos do século –que passem a compor a agenda brasileira.