O GLOBO 041117 B
Em bela crônica publicada no Globo, a jornalista Cora Rónai comenta a melhora de cidades como Lisboa, Barcelona e Seul. “Barcelona há 30 anos era uma cidade parada, decadente. Lisboa, provinciana e melancólica. E Seul? Seul era um vasto nada.” E prossegue: “As transformações por que passaram beiram o inacreditável; e conheço tantas outras que foram se tornando gradativamente mais limpas, mais eficientes, mais bonitas.” Mas lamenta: “o oposto exato do Rio.”
As grandes cidades cumprem papel cada vez mais importante. Elas se constituem em nós da rede mundial que conduz as relações econômicas, políticas e culturais contemporâneas. A qualidade da vida urbana é básica nesse quadro de globalização. As cidades citadas por Cora Rónai estão nesse contexto. Porém, a tal papel o Brasil não tem dado a necessária atenção.
Aqui, perdura a superada ideia de que o crescimento econômico é que melhora as cidades. Mais ou menos como dizia Delfim Neto, nos tempos da ditadura: é preciso crescer o bolo para distribuí-lo. Hoje, sabe-se, o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento urbano são interdependentes. É ocioso perguntar o que vem antes, o ovo ou a galinha. Há que se trabalhar em simultâneo sobre os múltiplos fatores que atuam para desenvolver a cidade e o país. É o ovo e a galinha.
Assim, sendo o Rio uma cidade global, como trazê-la às exigências do tempo?
Está visto que economia destroçada, estado quebrado, política desacreditada e segurança em guerra não são frutos do acaso, mas construção continuada. A reversão será complexa. Uma nova política é indispensável, mas, para ser nova e efetiva, a sociedade precisa estar junto, sob temas que tenham poder transformador.
Nesse sentido, para além daqueles eventualmente em pauta, podem ser listados alguns temas no âmbito urbanístico, como os que seguem.
– Regularizar as calçadas. Há muito o que fazer na mobilização dos proprietários para manutenção e acessibilidade adequada, conforme a vida civilizada. Custo zero para o erário, milhares de empregos.
– Recuperar o Centro. Muitas oportunidades de aproveitamento de áreas vazias e imóveis desocupados, servidos de infraestrutura. Inúmeros apartamentos tiveram o uso modificado para comercial, e hoje estão ociosos. Reverter esse quadro possibilitará novos moradores no Centro e ocupação das salas vazias. Custo zero para o erário.
– Transformar os trens em metrô. Melhora na vida de milhões de cidadãos, redução da poluição, integração metropolitana. Custo: 20% da obra da Linha 4.
– Conter a expansão. Sem crescimento demográfico, a área ocupada pela cidade não deve expandir. As novas construções podem ocupar vazios infraestruturados, suficientes para a demanda. Evita-se o esvaziamento de bairros consolidados e o aumento dos custos de manutenção da cidade. Custo zero para o erário.
– Universalizar o saneamento. É uma vergonha que as cidades brasileiras, o Rio também, tenham mais da metade de seus domicílios sem esgoto adequado, apesar da importância para a saúde pública e para a economia urbana.
– Universalizar os serviços públicos. Favelas e loteamentos populares precisam ser incorporados ao domínio constitucional. Isso inclui urbanizá-los e manter os serviços públicos permanentemente. Custo: programa já realizado demonstra que é viável com os recursos disponíveis. Milhares de empregos.
– Reduzir a insalubridade das moradias. Oferecer assistência técnica para reforma de moradias insalubres. Custo: financiamento simplificado diretamente às famílias. Milhares de empregos.
– Planejar a metrópole. Criação de política de governança para a cidade metropolitana. Custo ínfimo.
Como se vê, são temas comuns às grandes cidades brasileiras, salvo o trem-metrô, um potencial que só o Rio tem. Quanto do Brasil que ora temos se deve à situação calamitosa das grandes cidades? Mas se o Brasil custa a despertar para essa realidade que compromete o seu desenvolvimento, o Rio, pela gravidade de sua crise, não pode esperar.
Sua dimensão urbanística é crucial para a sua recuperação.