O Globo 20-05-17
Quem olhar de perto a Lava-Jato verá mazelas da cidade brasileira. Compreenderá os índices de violência, observará o esgoto a céu aberto, milhões de cidadãos engarrafados no trânsito, verá a cidade partida.
Quem olhar de perto a cidade brasileira, verá a vitalidade do povo que a constrói. Saberá que só daí pode sair a resposta aos desafios postos pela Lava-Jato ao desvendar a política nacional.
Em O Globo, o ministro de Segurança Institucional afirmou que “O Rio não consegue resolver sozinho o problema da segurança pública”, que em alguns estados virou “problema nacional”. É esclarecedor. Por isso, trouxe a Força Nacional. Conforme a secretaria de Segurança do RJ, os federais atuam em vias expressas para que a polícia estadual faça “incursões” em favelas, “trabalho a que está acostumada”.
O Rio tem experiência importante que precisa ser reconhecida.
Com as UPPs, os índices de violência cairam expressivamente. Com a crise do programa, cresceu a criminalidade.
O que é essencial na experiência? O domínio territorial por parte do Estado.
Está visto, tal domínio não se faz por incursões, mas com a permanência. Contudo, os governos são ausentes ou escassos em regiões inteiras das grandes cidades.
Isso cria um espaço disponível para a ação de aproveitadores. Não há espaço vazio na política. Se o Estado não está, não faltarão gangues, milícias, quadrilhas que tomem conta do lugar. É essa realidade que fortalece a bandidagem armada e alimenta a violência.
Escolas, equipamentos públicos, limpeza urbana, iluminação, saneamento, policiamento, Justiça, controle urbanístico e edilício, enfim, todos elementos necessários à vida urbana, em conjunto, é que configuram o domínio político-territorial pelo Estado – que podemos chamar “domínio constitucional”.
Estimamos que metade da área das grandes cidades esteja fora do domínio constitucional. Onde a vitalidade da família pobre construiu sua moradia, não há, ou são falhos, os serviços públicos e a infraestrutura. Sem a decisão política, falta o Estado. Está aí o nó da habitação e da segurança.
Tivesse o Alemão sido urbanizado, ao invés de construir teleférico midiático; fosse o Morar Carioca o legado social da Rio 2016, como prometido; tivesse o governo permanecido após as obras no Favela-Bairro – aquela metade da cidade estaria coberta pela Constituição e a violência urbana reduzida.
É assim que o anunciado programa municipal de construir prédios altos na favela Rio das Pedras soa algo superado. Não pela semelhança ao Projeto Cingapura, dos governos Maluf-Pitta, em São Paulo, aqui com o dobro de andares. (O Cingapura pretendia “verticalizar” as favelas.) Nem porque, lá, tenha sido mera propaganda para fartos negócios, em modelo similar ao visto na Lava-Jato. Mas porque nada diz sobre questões básicas, como: se a Rio das Pedras, no censo, tinha 18.692 domicílios, por que os anunciados 30.000 apartamentos? Se tinha 54.776 habitantes, por que prédios para 88.000 pessoas? É para levar população para lá? Serão demolidas as moradias atuais? Para vencer a violência, os R$ 5,4 bilhões estimados serviriam melhor se distribuídos na cidade ou concentrados?
Enfim, são questões em que o Planejamento é ótimo instrumento.
É bom a União acudir o Rio. Mas é pouco proteger as vias expressas. Esta é uma estratégia militar. É preciso uma estratégia política, na qual se busquem os objetivos de incorporar toda a cidade, permanentemente, à proteção constitucional – direito da cidadania.
Em contrário, as forças federais não bastarão para acudir às demais cidades que, como avaliou o ministro, têm o mesmo problema.
Cidade e Política nasceram juntas e potencializam-se mutuamente. Mas a política no Brasil descolou-se de sua fonte; isolada em paraíso fictício, adulou o monstro que a corrói. Ela vai ter que voltar para a planície. É a cidade (o povo) que lhe regenerá os brios.
Dia 24, Marcha: “Basta de violência: outra Maré é possível.”