Bolívia, Chile, Irã, Hong Kong, França: o que nos dizem? Países em diferentes estágios de desenvolvimento, com regimes tão díspares, onde manifestações populares desafiam as forças de repressão – o que sinalizam?
Primeiro, são manifestações fruto da condição da vida em cidades. Apresentam-se com autonomia em relação à política-partidária e não se restringem a determinados estratos sociais. Dizem que o equilibrio social não se mede em índices econométricos. Bons índices médios não são suficientes; há outros elementos a considerar.
São também manifestações de jovens, dos millenials. À juventude se soma a insatisfação para com os rumos de seus países: a vida material melhor não supera o ceticismo em relação ao futuro.
De fato, vive-se uma brutal mudança cultural, apoiada em novos conceitos e em tecnologias digitais. Muitas empresas já se defrontaram com tal situação e foram capazes de se refazerem; governos, contudo, tem sido refratários a questões mais complexas.
No caso brasileiro, se as gerações precedentes foram capazes de construir a cidade de hoje, ainda que com grande passivo sócio-ambiental nos bairros populares, demonstrado na escassez de serviços e de infraestrurura, as novas gerações, aí nascidas, com acesso à informação e à educação, não se contentarão com o status quo. Querem um novo ambiente que reconheça as preexistências mas que avance na equidade.
As novas gerações, não apenas as emergentes, querem adequação a valores que se tornam universais, como o respeito à diversidade e ao ambiente, sem tergiversação quanto ao desperdício, ao consumismo e à predação dos recursos naturais.
A cidade 21 terá que corresponder à nova cultura, que se desdobra por novas tecnologias. Como o carro sem motorista impactará a mobilidade e o espaço público? Como eventual sucesso nas pesquisas promovidas por Bill Gates quanto ao uso de vaso sanitário sem canalizaçao poderá representar uma revolução urbana e ambiental? E na Energia, como o aproveitamento de áreas urbanas e suburbanas ociosas poderá resultar em novas economias? Como as novas tecnologias de mobilidade e de saneamento implicarão na Saúde? E os smart-hospitais e demais arquiteturas de saúde? Como os novos modos de trabalhar e morar compartilhado, co-work e co-living, resultarão em espaços mais compactos e com maior vitalidade? A cidade expandida e em baixa densidade ficará rapidamente obsoleta? O uso de áreas livres, inclusive em terraços, estimulará uma produção verde com qualidade e sem agrotóxicos? Como o dinheiro virtual impactará as cidades?
Tal como estacionar carros em calçadas e fumar em ambientes fechados ficaram lá para trás, derrotados pela nova cultura que se impôs de modo avassalador, assim nossas cidades poderão responder aos desejos e esperanças das novas gerações, aquelas que já se demonstram insatisfeitas com a cidade que herdaram.
Em 2020 teremos eleições municipais. Não é algo menor, e não é só. Ante as oportunidades que o pais e o Rio têm, decorrentes de grandes eventos mundiais arquitetônicos-urbanísticos que aqui se realizarão, temos em mãos o estímulo para refletir, debater e propor para um bom futuro urbano, em atenção à demanda que os tempos nos impõem. É também oportunidade para irmos além da polarização maniqueísta que amarra o país e deixa ao abandono questões concretas que afetam o quotidiano de milhões de brasileiros urbanos.
A cidade que poderá atender às aspirações dos millenials não será uma nova cidade futurista construída do zero, como pensavam os modernistas. Será construída hoje a cada dia. Se atender às inspirações e expectativas da nova cultura, será cidade progressista, acolhedora e aberta.
O GLOBO 23 nov 19