O Globo 02 12 17
A insolvência do governo e a crise do Rio, para além de causas morais e econômicas, têm pelo menos duas bases de natureza institucional; não bastará uma reforma eleitoral para superá-las.
É claro, a questão política é central. O comando político do estado ruiu. O governador sucumbiu com seu mentor e com o caos, do qual é um dos responsáveis.
Mas temos um ano inteiro até 2019. Há o que fazer?
Em debate no Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB RJ, experientes políticos fluminenses avaliaram que a resposta está nas próximas eleições, ante as alternativas constitucionais. Os políticos, portanto, esperam outubro. Para estudiosos da administração, como as despesas são incomprimíveis, é preciso aumentar a receita do estado, o que exigiria uma repactuação federativa, pela assimetria entre o que a União arrecada no estado e o que aqui aplica. Não é trivial.
Porém, sem o estado cumprir com suas obrigações mínimas na segurança, na saúde, na educação e no pagamento dos salários, aprofunda-se a crise futura. Assim, a eleição produzirá quiçá uma esperança, talvez nada mais.
Felizmente, há grupos da sociedade e de movimentos sociais se organizando ante a perplexidade fluminense. É possível que consigam juntar esforços para um entendimento político supra-partidário, um mutirão cívico, que possa chegar em outubro com alguns temas estudados, debatidos e, se possível, pacificados – aplainando as dificuldades do futuro governo – qualquer que seja. Pode ser um esforço de grande utilidade.
Contudo, embora aqui tenha alcançado grau de excelência, a crise não é só do Rio. Como suas causas têm raízes amplas, ela explodirá pelo país, persistindo as atuais condições. A evidência está na Operação Lava Jato. Esta semana, procuradores alertam que não bastará o que se alcançou até aqui se não forem modificadas as leis permissivas. Mas o que se discute é mudança na lei eleitoral. É bom, mas não basta.
Pelo menos dois outros componentes de natureza institucional sustentam o quadro de desagregação: a nomeação para “furar poços” e a licitação de obras.
Por que comandantes da polícia, diretores de escolas, de hospitais, de diretorias furadoras de poços, inspetorias de fazenda, todas funções de Estado, podem ser indicações políticas? Por que servidores de funções de Estado podem entrar na política eleitoral sem desligamento definitivo, como seria o caso de membro da PF, que, derrotado como candidato a deputado, retornou aos quadros como dirigente?
Um segundo componente que exige modificação é o modo como se licitam obras públicas. É indispensável revogar a famigerada Contratação Integrada, regime funesto aperfeiçoado em 2011, que permite licitar obra pública sem projeto, conferindo à empreiteira a dupla tarefa de projetar e de construir – como ocorreu na Petrobras, nos estádios da Copa, no PAC, com resultados conhecidos. Sem projeto, o linhão do Metrô do Rio, “maior metrô do mundo em linha única”, foi definido na escrivaninha do governador; estimado em 4 bilhões, custou 10.
Neste DNA está a modalidade Procedimento de Manifestação de Interesse, PMI, na qual empresa privada propõe estudar a viabilidade de obra pública, sem “ônus para o governo”. Servindo o estudo para “licitar” a obra, resulta em 95% dos casos em vitória da proponente… que é ressarcida pelo investimento, caso perca. É como a prefeitura do Rio anunciou acordo com grupo imobiliário russo para construir um milhão de metros quadrados (!) no espaço aéreo de trecho da ferrovia da Central do Brasil. “Podemos construir de tudo nos trilhos, uma nova cidade nos trilhos”, diz o representante dos russos. Queremos uma nova cidade? Dirá o russo o que o carioca quer? Ou nos contentamos com o Rio, bem cuidado?
Não há nada de novo, apenas negócio. Sequer um replique provinciano da badalada experiência novaiorquina do “high line”, aproveitamento de ferrovia elevada e desativada, transformada em passeio público – com o qual nada há de parecido.
Enfim, em tempos tão difíceis, como se vê, não nos bastará uma reforma eleitoral. Há algo mais a exigir mudança – no Rio, e no país.