Desde antes do rádio que os assuntos do quotidiano são tratados nas marchinhas de carnaval com a irreverência e o bom humor característicos do Rio.
Depois de um período difícil, elas voltaram com força. Foram reapresentadas em musical de grande sucesso, “Sassaricando”, assinado por Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral.
Os concursos da Fundição Progresso são um momento de exaltação desse gênero bem carioca. Centenas de compositores do Brasil todo apresentam suas obras, que, após seleção, são defendidas em público para escolha de um júri.
O que mobiliza tanta gente? Por que esse sucesso?
Não há mágica: quem promove o concurso deseja a melhor música; quem participa, deseja que sua obra seja gravada e divulgada.
Assim também ocorre em outras áreas da cultura.
Na arquitetura, edifícios públicos e obras que buscam a qualidade são escolhidos em concursos de projetos nos principais países. São exemplos o Centro Beaubourg, em Paris; o novo Marco Zero, em Nova York; a Praça Potsdamer, em Berlim.
A UNESCO fez recomendação (1978) para que os países membros adotassem o concurso como forma de licitação mais adequada para a contratação de projetos de Arquitetura e Urbanismo. O Brasil subscreveu esse documento. A lei federal 8.666/93 incorporou o concurso como uma modalidade de licitação.
No entanto, são poucas as obras públicas escolhidas por concurso de projetos no nosso país. O que deveria ser a regra, é a exceção. Contudo, temos bons exemplos da experiência de concurso, como é o caso do Vale do Anhangabaú, em São Paulo; o Teatro Municipal e o Monumento dos Pracinhas, no Rio. Lembremos que Brasília foi escolhida por concurso público, vencido por Lucio Costa. O programa Favela-Bairro, o Rio-Cidade e, recentemente, o Morar Carioca e instalações para os Jogos de 2016, no Rio, também o foram. Ano passado, a Estação Antártica do Brasil foi escolhida por concurso público promovido pela Marinha. Enfim, é um procedimento que não é novo e que abrange diferentes escalas.
Embora o concurso envolva o trabalho de inúmeras equipes, e apenas uma seja a vencedora, é modalidade prestigiada pelos arquitetos no mundo todo, por qualificar o ambiente urbano e por ser uma oportunidade de cotejo entre as respostas oferecidas pelas equipes. É um momento de pesquisa e de reflexão profissionais – e assim avança a cultura.
Neste Brasil que se constrói com enorme pujança e velocidade precisamos buscar que cada nova obra seja um instrumento para melhorar a cidade. Não apenas a obra excepcional, mas toda obra pública. O concurso é o melhor meio para que a escolha seja bem sucedida.
Infelizmente, ainda há muita incompreensão, como acaba de ser divulgado em concurso para prédio anexo ao BNDES, no Rio, onde o Edital prevê que o arquiteto vencedor do concurso entregue o seu Anteprojeto para que seja desenvolvido por outra equipe, abrindo mão, inclusive, de seus direitos autorais. Ora, o projeto é autoral, tem unicidade, não pode ser fatiado. É claramente um contrassenso – e talvez uma ilegalidade.
O que diriam Braguinha, Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo, João Roberto Kelly se, vitoriosas suas marchinhas, outros nelas fizessem alterações?
Neste ano, o concurso da Fundição Progresso escolheu “Cadê a viga?”. Será que os compositores Cássio e Rita Tucunduva teriam inscrito sua marchinha se eles não a pudessem gravar ou se ela pudesse ser modificada por outros?
Por falar nisso: prefeito, e o Morar Carioca? Cadê?
Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 01/03/2014