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Entrevistas

Transformar trens em metrô é baratíssimo

By 20/03/2022março 22nd, 2022No Comments

Autor do livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ discute como tomar o Rio urna cidade menos desigual e mais inclusiva e sustentável

por RAFAEL SALDO
Ao lançar na última sexta-feira seu novo livro, “Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta”, o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães conversou com O GLOBO sobre alguns dos principais desafios nos espaços urbanos brasileiros abordados na obra. Tendo o Rio de Janeiro como urna cidade metropolitana irônica do pais, ele trata de caminhos para torná-la menos desigual, ao mesmo tempo que mais inclusiva e sustentável. No que se refere aos transportes, um dos ternas centrais paras e alcançar esse objetivo, ele alerta que não só estão sendo repetidos erros do passado, mas os equívocos também estão sendo expandidos.

O senhor trata do conceito de cidade metropolitana. O que significa?
Essa é nossa realidade urbana de hoje, que não está atrelada aos limites políticos dos municípios. As cidades estão totalmente interligadas e interdependentes. É preciso compreender a cidade metropolitana com essa concepção, que não é simplesmente uma soma de prefeituras, Mas um espaço construído historicamente e que não se diferencia nas suas fronteiras.

No caso da cidade metropolitana do Rio, ela é muito desigual. Quais os principais desafios para mudar essa realidade?
Há três grandes vetores constituintes da cidade em que a desigualdade se apresenta de modo mais brutal: no saneamento, na questão da mobilidade e na produção das moradias. No Brasil como um todo, e no Rio não é diferente, apenas 20% da população teve acesso a formas de financiamento capazes dedar resposta à questão da moradia. A alongo das décadas, isso não mudou. Quatro em cada cinco foram construídas exclusivamente com a poupança familiar. A grande maioria é pobre, que construiu nas condições possíveis, sobretudo, em lugares desprovidos de infraestrutura. Digo no livro que, se não enfrentarmos essas desigualdades, não estaremos dando condições de as cidades cumprirem seu papel fundamental de instrumento para o desenvolvimento do país.

No que se refere à moradia, o senhor afirma que a favela é, na verdade, urna adesão das famílias à cidade. De que forma?
A favela é vista por muitos como urna rejeição, algo que está contrariando deidade. Muitas pessoas pensam que o favelado é uni ser anárquico, que é contrariedade e contamina negativamente, portanto, avida urbana. Vejo de outro modo. A família pobre, ao buscar sua moradia em favela está aderindo à vida urbana, que lhe permite ter acesso a educação, saúde, trabalho e lazer de um modo contemporâneo. As cidades cresceram tão vertiginosamente no Brasil como em nenhum outro lugar do mundo. A favela é uma das expressões disso.
E é possível urbanizar esses lugares?
Não só é possível como necessário. As experiências do Rio, do Brasil, assim como as internacionais, demonstram isso. A segunda questão é se é necessário. Sim, para reduzir desigualdades. O BID mediu no Rio (no período do Favela Bairro) e viu que, uma vez urbanizada a favela, ocorre uma explosão no número de empregos, de acessos a serviços, um aumento de empresas registradas na prefeitura.

Numa cidade já espraiada como o Rio, é possível torná-la mais compacta?
Estancar o crescimento da ocupação territorial já é algo fanático. Mas o Rio tem possibilidades melhores. Não conheço outra cidade que tenha tanta possibilidade de melhorar do que o Rio. Uma das questões que trato no livro é a transformação dos trens em metrô. Os trens estruturam a cidade metropolitana desde o inicio do século XX, Já transportaram 1,2 milhão de pessoas por dia. Hoje, a Supervia diz que transporta 400, 500 mil pessoas. Se o trem for transformado em metrô, com intervalos curtos, aumenta o número de viagens (passageiros transportados) para 2,5 milhões. Esse é um processo baratíssimo, comparando com qual quer outro processo de mobilidade. Se faz com um terço do que se gastou para levar a Linha l do metrô até o Jardim Oceânico (na Barra). Ao mesmo tempo, recupera a Zona Norte, que é o núcleo da cidade metropolitana.

Os governos têm apresentado planos, no entanto, de expansão da rede metroviária.
Nós estamos expandindo os erros do passado. Há mais de 30 anos, o Plano Doxiadis teve a ideia de expandir a cidade de Ao quilômetros quadrados para 8 mil quilômetros quadrados de ocupação, num prazo até 2000, 0
que mostra a megalomania do período. Depois, teve o plano Lucio Costa, que simplesmente tinha a pretensão de construir a nova capital na Barra.

Na pandemia, vimos algumas tentativas de ações conjuntas com outras cidades da Região Metropolitana, que esbarraram nas diferenças políticas da região…
É uma solução muito complexa, mas que precisa ser enfrentada. O Rio não é uma cidade comum, um município qualquer, e nem a cidade metropolitana do Rio, que tem dimensão global: quando se fala de Rio, é a representação do país. Doze milhões de pessoas é mais que a população de Portugal. Não podemos pensar que, porque é difícil, porque a articulação política não está fácil, vai ficar por isso mesmo. Não pode. Essa questão também é de Salvador, Recife, Fortaleza… Mas o Rio, por sua história, poder cultural e imobiliário, por ter um terço do território como propriedade federal, precisa ter um tratamento institucional especial.