Quanto mais uma pessoa influencia você na vida, mais você a menciona em conversas, conferências, artigos e tantas outras coisas. Se esse é o caso, a maior influência que tive na vida, para o bem ou para o mal, foi o mestre Vilanova Artigas (90% para o bem e 10% nem para o mal e nem para o bem).
Esta é, portanto, uma das únicas vezes em que citarei Artigas em uma situação, digamos, dúbia. O mestre sempre dizia que os arquitetos não deveriam se meter nos feios aspectos comerciais da construção.
Poucas vezes em minha existência algo influenciou e me fez tão mal quanto essa frase.
O prejuízo que os arquitetos e, consequentemente, a arquitetura brasileira tiveram com essa atitude do tipo “não se envolver” é incomensurável. O que deixamos de conhecer sobre detalhes, formas de construir, preços, custos nas obras tanto nos prejudicou que levou os arquitetos àquela pecha de sonhadores sem pé no chão e o resto dessa conversa fiada.
O prejuízo que os arquitetos e, consequentemente, a arquitetura brasileira tiveram com essa atitude do tipo “não se envolver” é incomensurável
Quando eu estava no terceiro ano da FAUUSP, recordo-me perfeitamente que meu pai, com o brilho nos olhos que lhe era peculiar, disse na mesa do jantar: “filho, vou te dar um serviço”. E continuou… “você sabe aquele imóvel onde está a nossa farmácia? Você vai transformar as fachadas.”
Meu pai e um sócio eram proprietários de um dos pontos mais famosos da cidade. A Farmácia Municipal ficava na esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, equivalente hoje, digamos, à Gabriel Monteiro da Silva com a Faria Lima.
“Nós vamos transformar a farmácia em várias lojinhas e já temos a planta; eu gostaria que você desenhasse as fachadas do conjunto.” O engenheiro foi quem desenhou as plantas. Para que? Caí matando em cima do meu super e bem intencionado pobre pai: “Pai, eu sempre jurei que não ia desenhar fachadas para projetos de terceiros”, naturalmente influenciado pelo velho Artigas. Meu pai ficou chocado, tristíssimo, como se fosse um criminoso e eu, natural e orgulhosamente, recusei o serviço. Que burrice!
No ano seguinte, um pouco mais experiente, menos estudante, menos burro, recebi uma nova incumbência do meu pai: desenhar com um grupo de colegas as perspectivas de apresentação do hospital Albert Einstein, do qual meu pai era um dos médicos fundadores e que tinha até me levado para ver o terreno onde construiriam o hospital. Vi então que não era nenhuma vergonha desenhar perspectivas das fachadas projetadas por outros arquitetos, no caso, o extraordinário Rino Levi, e aprender um pouco com ele e ganhar algum dinheiro.
Vejo agora com enorme alegria a mudança de mentalidade dos arquitetos sobre os aspectos gerais da construção, naturalmente incluindo os comerciais. Com maior satisfação ainda vejo arquitetos construindo galpões para alugar, tocando obras, vendendo materiais de construção, enfim, participando de todas as áreas e de todos os aspectos dessa enorme atividade que é a construção em nosso País. Por outro lado, impressiona-me mais ainda a coragem dos arquitetos empreendedores que constroem edifícios de apartamentos ou escritórios para venda. Sei que o resultado dessas obras será sempre muito superior à média da construção imobiliária e que essas edificações só trarão mais beleza às nossas cidades.
Fico pensando no passado longínquo, quando não havia essa tosca divisão entre os arquitetos, projetistas e construtores. O mal de décadas de erros nesse conceito nos levaram à criação das faculdades de arquitetura totalmente dissociadas da realidade da construção civil. Sei que em muitos países também persiste essa besteira da separação de atividades, mas não é por isso que devemos copiá-los. A arquitetura não fica em nada diminuída com os próprios arquitetos empreendendo e construindo suas obras.
Fico pensando naquele grupinho de arquitetos que um dia sentou, começou a sonhar alto, e se pôs a desenhar, comandados pelo genial Rino Levi e projetaram um edifício-ícone da arquitetura brasileira: o prédio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, à rua Bento Freitas, em São Paulo. Aí se instalaram, nos diversos andares, escritórios de arquitetura e em alguns deles o próprio Instituto dos Arquitetos; a loja térrea foi alugada para que meu primo Milly Teperman ali se instalasse, para exposição e venda da famosa linha Herman Miller. A loja tornou-se em pouco tempo o ponto de encontro dos arquitetos em São Paulo. Se aquele grupo de malucos nos anos 50 empreendeu essa obra, que mal havia com o aspecto comercial da construção?
REVISTA AU Edição 219 | Dezembro/2011
Por Sergio Teperman