*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 291 – Abril/2012
Em junho, será realizada no Rio de Janeiro a cúpula de Chefes-de-Estado Rio+20, exatamente vinte anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, Eco-92. Entre os temas para o debate, estará o das cidades sustentáveis.
É justo, pois os países desenvolvidos, onde se localiza o maior consumo e o maior dano ambiental, são quase plenamente urbanos. Como a população mundial já é majoritariamente urbana e essa tendência deve se acelerar, o tema ambiental e o desenvolvimento sustentável serão cada vez mais associados ao urbano.
Quando se coloca a questão ambiental urbana, em geral, discutem-se temas como o impacto dos automóveis na promoção do efeito estufa, ou os danos pela ausência de saneamento, entre outros assuntos absolutamente relevantes. Contudo, pouco se avalia sobre a influência das teorias urbanísticas modernas, ainda vigentes, na construção de cidades insustentáveis.
De fato, com a explosão urbano-demográfica oriunda da industrialização, as cidades se deterioraram e os principais pensadores do urbanismo moderno defenderam modelos urbanos que incorporassem a natureza como elemento conformador da cidade. A idealização da vida saudável e ética do campo (em oposição ao que seria a vida promíscua e aética da cidade) constituiu-se como elemento orientador das mais influentes teorias urbanísticas desde o século XIX. Os modelos urbanísticos refletem essa idealização nos traçados, nas densidades, nos símbolos e em outros elementos definidores da forma urbana, como a habitação, –ainda hoje influenciadores da cidade contemporânea.
Simplificadamente, dois são os modelos habitacionais privilegiados: o da hegemonia do edifício isolado e o da hegemonia da casa unifamiliar. Ambos, buscando a “natureza” como ordenadora do espaço.
O primeiro tem no arquiteto francês Le Corbusier o seu doutrinador, e em Brasília, talvez, o seu melhor exemplo. Sol, luz, saúde, qualidades que o campo oferece e que seriam escassas na cidade industrial, estariam garantidos no edifício solto em meio a gramados abundantes.
O segundo modelo tem em Frank Lloyd Wright, o mais influente arquiteto norte-americano do século XX, seu grande defensor. Sua proposta urbanística, a Broadacre City, seria a dispersão da cidade no campo, onde cada família moraria em sítios de 0,4 ha. Não obstante tal caráter visionário, os Estados Unidos disseminaram o modelo de subúrbios em baixíssima densidade, ocupando vastos territórios, em consonância com valores da descentralização e do individualismo.
Formulados na primeira metade do século XX, os modelos são fortemente apoiados no automóvel. Conformam cidades onde a ocupação é predatória de território, é extensiva, sem possibilitar densidades demográficas compatíveis com o melhor aproveitamento de recursos ambientais, econômicos e energéticos –certamente em oposição ao conceito de sustentabilidade.
Levam a outra consequência ainda mais grave: a anulação dos espaços da interação social. No entanto, os espaços urbanos como lugar político, de encontro entre os diferentes, é a qualidade urbanística mais relevante a ser garantida para as futuras gerações.
Eles demandam algumas condições mínimas para que possam exercer esse papel civilizatório, como adequada densidade demográfica e construtiva, a boa conformação volumétrica e a facilidade de conexões.
Cidade que contemple a diversidade de funções urbanas, acessível, com mobilidade cidadã que não dependa exageradamente do consumo energético, democrática na disponibilidade de equipamentos e serviços públicos a todos, e que, sobretudo, preserve a capacidade do acaso, do encontro entre os diferentes: por certo, esta é a cidade sustentável para o século XXI.
Desejamos que a Rio+20 ajude a definir novos padrões que conduzam a uma cidade mais inclusiva e diversificada. É uma tarefa para a cultura.