Eduardo Cotrim
Abre-se parêntese para manifestar um completo desconhecimento dos motivos pelos quais as coisas mais antigas se encontram enterradas. A Geologia e a Astrofísica poderiam explicar melhor aos leigos se o mundo ganha terra e diâmetro com o passar do tempo ou se o solo simplesmente engole aos poucos por gravidade tudo o que se põe na superfície do planeta.
Dito isto, busca-se qual seria a estética da cultura contemporânea legitimamente brasileira. É possível que tudo seja respondido daqui a algum tempo pela arqueologia, mas nesse caso, a estética que se procura agora já não será mais contemporânea e nunca a conheceríamos. Resta saber se futuros historiadores da cidade, antes mesmo das escavações, reivindicarão as vielas orgânicas dos antigos morros cariocas, aos modelos em escala 1:1 das favelas expostas nos stands dos antigos parques temáticos dos Estados Unidos e Japão. Ou se os telhados de fibra vegetal teriam sido introduzidos no Alto Xingu pelos resorts de Angra dos Reis. Que a história não seja nublada nem enterrada.
A Zona Norte do Rio é uma das coisas que se encontram na superfície do planeta. Tem vernáculos na memória coletiva carioca de cores, padrões construtivos, vozes, modos de conviver em vizinhança, letras e ritmos. Não seríamos a elite esclarecida carioca contemporânea, aquela que construiria, numa analogia sombria, nobres arquiteturas hispânicas sobre as cidades incas, não soterradas, mas pisoteadas.
A alma do lado pobre da Zona Norte, que migrou do Centro da Cidade e por tabela, dos tupis, de Santo Antônio do Zaire, de Lisboa, das cidades mouras, gregas, fenícias é a espécie de patrimônio que faz com que não se entenda como Pixinguinha compôs tamanhas músicas dissonantes e harmônicas ou como três andorinhas de cerâmica vitrificadas na varanda sobre fundo verde claro constroem lugares do nada.
O certo é que a porção do Rio de Janeiro dependendo dos ventos ou da flacidez do terreno – com a palavra os geólogos e astrofísicos – estará injustamente abaixo dos pisos inexpressivos das garagens dos espigões, se nós contemporâneos de amanhã, não nos dermos hoje por conta.
Criar oportunidades para que as atratividades da Zona Norte venham a ser de fato percebidas, desfrutadas a qualquer hora do dia e da noite, emergidas como patrimônio da cidade, resgatadas dos morros com melhores espaços de convívio, dos asfaltos das andorinhas, exigiria possivelmente algumas poucas revisões urbanísticas, alguns investimentos públicos e privados, alguns ensaios, mas, sobretudo, uma boa dose da melhor sinergia carioca de vontade, criatividade e bom humor.