*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo em 04/06/2011
Quando o prefeito Pereira Passos foi incumbido de modernizar o Rio de Janeiro, em 1902, ele buscou os planos de trinta anos antes, elaborados sob inspiração das grandes obras do Barão Haussmann, em Paris. Assim também fez o próprio Haussmann, que implantou na capital francesa as ideias que tinham sido debatidas em décadas precedentes.
Talvez resida nesse hiato, entre o pensar e o fazer, a percepção de que a cidade se faz segundo seus acasos. É que nós não atentamos à relação entre causa e efeito, tão lenta é a ida do pensamento à ação na vida das cidades.
Seus desdobramentos também se estendem no tempo. A reforma do Rio, por exemplo, que deu origem à Cidade Maravilhosa, teve vitalidade por longo período, talvez chegando aos anos 70. Foi até quando vigiu a mágica da “belacap”, cidade eternamente abençoada.
Esgotado um ciclo, as cidades podem refazer suas possibilidades com estratégias revitalizadoras, como ocorreu com Nova York, a partir dos anos 60; Londres, nos 70; Barcelona, nos 80.
Bilbao, a capital basca, é famosa a partir do Museu Guggenheim, projeto do arquiteto Frank Gehry. Mas é pouco sabido que o seu plano de recuperação se deu na década anterior, depois da derrocada do setor industrial. A estratégia foi desenvolver o setor de serviços ligados à cultura e ao conhecimento. Revitalizando o centro, o porto e a orla fluvial, a cidade preparou-se para os serviços avançados e para o turismo cultural, associando ao trabalho de Gehry outras obras de importantes arquitetos mundiais. Em 15 anos, dobrou o número de hotéis; organizava 88 congressos anuais e passou a 980; e o número de turistas saltou de 24 mil para 630 mil.
Muitas cidades quiseram seguir a capital basca, pensando que o milagre estava apenas na obra de arquitetura. Sim, está, mas também no desejo, no plano e no acerto das escolhas — como nos informa o crítico Llàtzer Moix, em seu livro “Arquitectura milagrosa”, no qual analisa o impacto das grandes obras como ícones para o desenvolvimento das cidades espanholas.
Esgotado o ciclo iniciado por Pereira Passos, o Rio ensaiou redesenhar-se. Mas, diferentemente daquelas cidades que fortaleceram suas preexistências e seus centros, o Rio optou pela expansão. Sendo rico em cenários consagrados e em monumentos icônicos, dispersou esforços — e os desperdiçou em troca da novidade.
No fim dos anos 60, desejando firmar-se como núcleo do turismo de feiras, São Paulo construiu o Centro de Convenções e Exposições do Anhembi, à marginal do Tietê. Na década seguinte, o Rio replicou com o complexo do Riocentro, na Barra. Embora o Rio tenha sido historicamente o principal destino turístico no Brasil, São Paulo tornou-se o foco do turismo de negócios, feiras e exposições do país. A escolha errada de localização do Riocentro ajudou nossa cidade a ficar aquém de suas potencialidade no setor.
Comparemos: o Anhembi está a três quilômetros do coração de São Paulo e a cinco quilômetros da Avenida Paulista, ligado ao metrô. O Riocentro dista 35 quilômetros do Centro e 30 quilômetros de Copacabana, lugar preferido dos turistas. Vem-se ao Rio ou ao Riocentro? Qual alternativa a considerar?
Agora, com os grandes eventos, a cidade tem a oportunidade de se fortalecer, inclusive no turismo. A Embratur tem planos importantes para o Rio e o seu presidente diz que a cidade pode se transformar em uma das cinco mais importantes do planeta para o setor, se souber aproveitar essas oportunidades. A Copa do Mundo de 2014 acaba de definir seu Centro de Mídia e optou pelo Rio como sede: uma vitória maiúscula. Como iremos valorizar essa escolha?
Estamos a poucos dias de o prefeito Eduardo Paes autorizar o anúncio dos projetos vitoriosos no concurso público nacional de arquitetura para o Porto Olímpico, a ser implantado na Avenida Francisco Bicalho, na área portuária. Além da Vila da Mídia e dos Árbitros, para os Jogos de 2016, o complexo inclui um Centro de Convenções, Feiras e Hotel, que preencherá uma lacuna por equipamentos do gênero. Tem ótima localização, central, entre os dois aeroportos e junto ao metrô. É possível que esse complexo esteja concluído até 2014, a tempo da Copa do Mundo. Ele dista menos de dois quilômetros do Maracanã, nossa sede do futebol. Tal proximidade será fator importante para que se torne uma alternativa vantajosa ao Riocentro para sediar a Mídia da Copa. Assim, reforçará o papel revitalizador do Porto Maravilha para a cidade.
Sendo um projeto pontual, integra-se porém a uma estratégia curtida no tempo: afinal, desde os anos oitenta que o Rio deseja fortalecer sua região central e sua área portuária. É preciso aproveitar cada oportunidade, diz a Embratur.
Ao escolher o Rio como sede da Mídia da Copa, a Fifa acertou. Agora, incumbe buscar a melhor solução, valorizar a escolha.