Angélica Benatti Alvim*
As enchentes que atingiram São Paulo nas últimas semanas não é um fato novo. Com raras exceções, anualmente de janeiro e março os jornais noticiam graves ocorrências. No entanto, este ano ultrapassou o recorde de chuvas que atingiram a cidade em janeiro de 1943 ̶ 493,7 mm contra 481,4 mm, quase o dobro da média para o mês (261 mm). Se em 1943 os efeitos foram perversos, hoje, com 11 milhões de habitantes, os efeitos são catastróficos.
Não é um problema simples e não existem soluções prontas.
Além das mudanças climáticas (como o efeito el Niño) que castigam diversas cidades do país e mundo, no caso de SP, a urbanização ocorrida de forma intensa foi amparada por um conjunto de soluções de infraestruturas implementadas, ao longo do tempo, em sua maioria emergencial, setorial e desarticulada, privilegiando interesses políticos e econômicos em detrimento dos interesses públicos.
Ainda nos anos 1920, o Plano de Melhoramentos do Rio Tietê, de autoria do Engenheiro Saturnino de Brito, previa a retificação do rio em conjunto de soluções que poderiam minimizar os problemas atuais das enchentes e dotar a cidade de qualidade urbano-ambiental. Mas, foram descartados tanto a lagoa de controle de cheias (que poderia ser parte de um belo parque), junto à ponte das Bandeiras, um dos locais de maior incidência de enchentes, quanto o projeto do represamento do rio, à montante de São Paulo, que poderia regularizar as cheias e possibilitar reservas para abastecimento de água. A solução encontrada pelos gestores públicos foi implantar parcialmente a retificação do Tietê e, ao mesmo tempo, dotar as suas várzeas de vias marginais, paralelas à ferrovia, que viriam dar suporte ao modo de transporte individual em detrimento ao transporte público.
Várias cidades do mundo já passaram por processos semelhantes. No entanto, principalmente a partir dos anos 1990, muitas delas vêm implementando planos e projetos de tratamento dos corredores fluviais que se integram ao meio urbano. São as tais cidades vitoriosas, que Sérgio Magalhães se referiu em artigo recente (Jornal O Globo, 18/01/11), “[…] que souberam ajustar suas razões às da natureza”, pois foram objetos de planos e projetos complexos, intersetoriais e corajosos, aliando medidas estruturais às não estruturais de longo prazo (inclusive tratando 100% dos seus esgotos).Como parte deste quadro, a industrialização articulada ao setor de transportes não só privilegiou a expansão do sistema viário sobre o leito dos rios, retificando-os ou mesmo tamponando-os, como também a exploração dos recursos hídricos voltou-se para o setor hidrelétrico, para viabilizar a indústria em detrimento ao abastecimento de água. Soma-se a ausência de políticas habitacionais, que contribuiu para o espraiamento da mancha urbana, que por sua vez, em um circulo vicioso, degrada ambientalmente a cidade. Embora, atualmente diversas obras de saneamento e de drenagem venham sendo implantadas, os esgotos domésticos são ainda, em grande parte, lançados diretamente nos cursos de água, convivendo a cidade com seus despejos e também com suas cheias.
Para finalizar, lembrando comentário que já fiz neste blog: “É urgente e necessário rever alguns paradigmas relativos à ocupação urbana em sua interface com a “natureza” já modificada. É preciso incentivar e viabilizar projetos socialmente inclusivos que promovam uma cidade compacta e diversificada ao invés da urbanização extensiva de nossas cidades que é cara e danosa ao ambiente e à sociedade”. No caso de São Paulo, espero que gestores públicos se conscientizem disso, pois não é uma tarefa fácil, mas é parte do desafio a ser perseguido em prol de uma cidade possível.
*Arquiteta e Urbanista, professora e Coordenadora da Pós – Graduação da FAU – Mackenzie.