Assim me disse jovem arquiteto a propósito de artigo de autoria de Ferreira Gullar, publicado pela Folha de São Paulo.
É o tempo, meu amigo. É o tempo, inexorável, que põe de cabeça para baixo e de pernas para o ar nossas maiores certezas. O poeta do Poema Sujo cansou?
Para Gullar de agora, Carlos Lacerda retirou do morro da Babilônia uma pequena favela transferindo seus moradores para um conjunto residencial em Bangu. Como foi acusado pela oposição de odiar os pobres, o governador desistiu de retirar outras favelas da zona sul.
“Se seu plano tivesse obtido apoio, os graves problemas que enfrentamos hoje, tanto no plano da criminalidade quanto da qualidade de vida dos moradores, talvez não existissem.”
Brizola e todos que o sucederam são os responsáveis pelo crescimento das favelas e por seu alastramento pelos morros, afirma Gullar. Não obstante serem políticos do Rio, reconhece que essa é uma política que se faz no país inteiro, e em todos os níveis: municipal, estadual e federal… (Por certo, mais uma das influências funestas da Cidade Maravilhosa.)
Sensibilizado pela tragédia que alcançou centenas de famílias, com os desastres decorrentes das últimas chuvas, o coração do poeta se superpôs à memória e ao seu legado político, construindo um outro tempo, onde as coisas são tão simples como esta sua reescrita da história do Rio de Janeiro. Nessa nova hipotética cidade, a favela é causa e conseqüência, é mãe e é madrasta, de uma cidade singela.
Por certo, não é a cidade rica/complexa/viva com que se encerra o Poema Sujo:
a cidade está no homem
quase como a árvore voa
ao pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas.
Veja aqui o artigo de Ferreira Gullar para a FSP