*Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 10/04/2010
Os anos 60 assistem à política de remoções de favelas, no Rio, durante o governo Lacerda, líder da direita brasileira. O modelo é o da transferência compulsória das famílias para conjuntos residenciais, situados na mais distante e vazia periferia. Essa política tem seu ápice no governo seguinte, paradoxalmente eleito em oposição ao regime militar.
Mas a reação política, das famílias atingidas e de movimentos sociais organizados a partir da questão, bem como a revisão doutrinária urbanística que se iniciava no mundo todo, deu lugar a um contraponto que impediu que tal política prosseguisse nas décadas seguintes.
Com a democratização do país, a remoção passou a ser vista com reserva. No Rio, a Lei Orgânica lhe confere restrições explicitas, tirando-lhe o caráter discricionário que até então poderia estar subjacente.
Urbanisticamente, percebeu-se que a diversidade morfológica pode ser uma riqueza, que os espaços públicos multifuncionais são capazes de agregar uma vida urbana de melhores possibilidades e interesses. A favela passou a poder ser vista como uma realidade social, com causas e consequências, sem preconceitos ou com menos preconceito.
Urbanisticamente, percebeu-se que a diversidade morfológica pode ser uma riqueza, que os espaços públicos multifuncionais são capazes de agregar uma vida urbana de melhores possibilidades e interesses. A favela passou a poder ser vista como uma realidade social, com causas e consequências, sem preconceitos ou com menos preconceito.
O Programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio, a partir de 1993 tratou de urbanizar as favelas consolidadas, dando-lhes condições de infraestrutura e de serviços compatíveis com as exigências contemporâneas. Mas, evidentemente, não se trata de uma panaceia. É preciso que os governos permaneçam depois das obras, com os serviços públicos necessários, inclusive o de segurança.
Persistindo a falta de uma política habitacional que tenha a família como protagonista, que disponibilize crédito nas condições adequadas, que compreenda a moradia em sua inserção urbana, que trate do transporte público, persistiu a pressão popular em favelas e loteamentos irregulares. Expande-se a ocupação em áreas proibidas, de risco, ou de proteção ambiental.
A cada desastre ambiental, como o que sofre agora o Rio, volta a questão: é preciso remover as favelas. Ora, a remoção como política habitacional não foi uma boa providência. Ela deixou sequelas, seja para as famílias alcançadas, seja para a sociedade. O filme “Cidade de Deus” está a demonstrar.
Contudo, a remoção não pode ser um tabu. Há casos em que é indispensável. Assim, a remoção de famílias em risco de vida, obviamente, tem que ser uma política pública clara, efetiva, permanente. Mas não pode ser confundida com política higienista, de “harmonização” da cidade, ou mesmo de interesse “ambiental”.
Oxalá a cidade que o século 21 está construindo possa ser um lugar múltiplo, de diversidade e de tolerância, uma cidade democrática.