O Globo 04 08 18
A crise de representação política que abala algumas democracias tem entre suas causas o advento das novas redes sociais. É o que avalia o sociólogo catalão Manuel Castells, em recente livro, “Ruptura”. Outros estudiosos, porém, consideram que é a ideia de representação que está em xeque: as pessoas querem ser protagonistas, não querem ser representadas.
No Brasil, podemos agregar outro componente: o descolamento entre a agenda política e a agenda dos cidadãos.
Aqui, é notória a insatisfação de grande parte dos brasileiros por suas condições de vida, que não se resume à dificuldade de trabalho e de renda. Como a quase totalidade da população é urbana, os problemas da cidade muito influenciam o seu bem estar, mas a questão urbana não entra na agenda política.
Nestas eleições será diferente? Grande parte da violência na cidade decorre do domínio territorial de bairros pobres por bandidos, em consequência da ausência do Estado. Como os candidatos a presidente, a governador e ao parlamento pretendem enfrentar essa causa da violência? Como o Estado se fará permanente em toda a cidade? Se quatro em cada cinco moradias são construídas na precariedade, o que dizem? Se milhões de brasileiros sofrem em transportes incompatíveis com o nosso tempo, como se posicionam?
No contraponto, como os candidatos pensam tratar os propulsores de renda e de bem estar típicos da cidade: a inovação, a interação social, o conhecimento, o empreendedorismo, que se fortalecem no bom ambiente urbano?
O ministério das Cidades continuará loteado? E a Caixa?
Não se imagina que os candidatos sejam seres que tudo podem. Não há lugar para salvadores da pátria, do estado ou da cidade. Assim, o compromisso político confiável é fruto de debate e calcado em estudo consistente.
Na escala local, veja-se o caso da cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Com 12 milhões de habitantes, produzindo 70% do PIB do estado, não tem instituição dedicada ao seu estudo e ao seu planejamento; tampouco à articulação das políticas setoriais (saneamento, mobilidade, habitação, etc.) ou municipais ( uso do solo, controle urbanístico, etc). Vai-se no improviso.
Logo, é importante saber o que os candidatos pensam sobre a constituição de uma governança metropolitana como recomenda o Plano “Modelar a Metrópole”, boa iniciativa do Governo do Estado e do Banco Mundial, há pouco divulgado.
O Plano contém outros temas que merecem aprofundamento, cujo debate também interessa às cidades em geral.
Por exemplo: em busca de “equilibrar a metrópole”, objetivo saudável, será razoável desestimular atividades e empregos no Centro para incentivar a sua criação em outras regiões? O Centro do Rio (e de muitas cidades) sofre processo de esvaziamento há décadas. Abandona-se o Porto?
Será vantajoso ocupar áreas para além da cidade, como as glebas vazias vizinhas ao Arco Metropolitano? Ou servirá à especulação imobiliária e à expansão predatória do território?
Se o sistema de trens suburbanos é o que sabemos, ignoraremos a necessidade de transformá-lo em metrô? (O jornal El País, em “Os trens da morte na Baixada Fluminense”, informa sobre 66 homicídios provocados por atropelamento ferroviário, ano passado: “desequilibrou-se e caiu no vão entre o trem e a plataforma; morreu atropelada”.)
Enfim, são temas em aberto.
Contudo, há urgência: as cidades brasileiras, e o Rio, estão à beira de um ataque de nervos. Não são triviais as agressões que sofrem por descaso, incompetência e até má fé – que debilitam a cidadania e comprometem o desenvolvimento do país.
Assim, a crise de representação política que atinge a democracia brasileira vai mais além do que a das principais democracias. Para superá-la, o país precisa reconhecer e enfrentar a questão urbana. O Brasil depende de suas cidades sintonizadas com a cidadania.