*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 07/04/2012
Em junho, o Brasil sediará a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que avaliará a evolução dos compromissos assumidos na “Cúpula da Terra”, a Eco-92, também realizada no Rio de Janeiro. Entre os temas para o debate, estará o das cidades sustentáveis.
Nunca será demais realçar o extraordinário fenômeno de urbanização que o Brasil vive desde meados do século passado, quando as cidades cresceram de 12 milhões de habitantes para 175 milhões –chegando a 85% da população do país. Passamos a contar com 18 metrópoles, sendo duas megacidades, São Paulo e Rio. Elas acolheram os fluxos migratórios interregionais como também o crescimento demográfico, fruto das melhores condições sanitárias e educacionais que elas próprias ajudaram a promover. Podemos dizer que o século XX produziu “cidades receptivas”.
Neste novo século, precisamos torná-las “cidades inclusivas”.
O jornalista Zuenir Ventura criou a expressão “cidade partida”, designando mundos sociais distanciados em um mesmo tecido urbano, e outros termos foram cunhados, como “cidade inteira” e “cidade integrada”, buscando expressar o desejo por novas realidades de maior equidade.
Há poucos dias, o Globo publicou entrevista com o economista norte-americano James Robinson, co-autor do livro “Why Nations Fail”, o qual considera que o determinante para o recente desenvolvimento econômico brasileiro foi o advento, desde a Constituição de 1988, de novas instituições, que chama por “instituições inclusivas”.
Inclusivas, porque geram acesso a oportunidades econômicas, à educação, ao direito de propriedade, à garantia de contratos, dão a todos a chance de abrir um negócio e desenvolver suas habilidades. “Há muitos problemas a serem enfrentados, mas o Brasil é muito mais inclusivo política e economicamente do que era”, diz Robinson.
O conceito “inclusivo” parece ser interessante também para referir-se às cidades.
Nossas cidades cresceram com a força da necessidade –com uma débil estrutura urbanística, seguindo a lógica do transporte rodoviário, com reduzido investimento em infraestrutura e com escassos serviços públicos. Mas, se as cidades foram receptivas, tornando-se o lugar da esperança por inserção social, também se constituem, hoje, em importante passivo -urbanístico, ambiental, social e de segurança pública. Desse modo elas não poderão corresponder plenamente ao formato político-ideológico traçado pelas novas instituições inclusivas brasileiras.
A cidade metropolitana do Rio de Janeiro produz 8% do PIB nacional. É rica e poderosa como um país de médio desenvolvimento. É importante centro científico, tecnológico e cultural. Contudo, nos deslocamentos quotidianos, sua população gasta tempo e energia desproporcionais às distâncias percorridas. O transporte hegemônico, o ônibus, é incompatível com o tamanho da cidade –enquanto extensa rede de trens urbanos continua subutilizada. Loteamentos e favelas consolidadas, lugares da habitação popular, demandam urbanização, melhores acessos, infraestrutura (mais de metade da metrópole não tem esgotos adequados) e serviços públicos, inclusive o de segurança. Partes importantes do território estão em processo de degradação, perdendo-se infraestrutura instalada e abandonando-se patrimônio relevante. Assim, esforço importante da população é desperdiçado improdutivamente, quando poderia servir ao desenvolvimento pessoal e ao conjunto social.
O crescimento econômico tem sido bem avaliado, com investimentos produtivos de vulto. Os setores de petróleo e siderúrgico tem se constituído como âncoras de muitos negócios. Não obstante, é indispensável que a potencialidade empreendedora da população possa se expressar por todo o tecido urbano. As cidades podem sustentavelmente expandir sua economia se forem bem tratadas, se estiver garantido o ir-e-vir por todo o território, se a mobilidade superar os entraves de um modelo rodoviarista poluidor e oneroso, como hoje nele nos encontramos amarrados. O combate à chamada desindustrialização poderá ser potencializado com a expansão produtiva urbana em variadas escalas econômicas –e isso não depende da China.
A energia popular dos micro e pequenos empreendedores pode aspirar a florescer, em benefício de todos. A experiência recente brasileira de incorporação da “nova classe média” poderá ser ainda mais expressiva. Mas as cidades precisam ser suas parceiras.
O desafio é conduzir nossas cidades receptivas, que foram, para tornarem-se cidades inclusivas, que podem ser.