Ciência Hoje, Dez 2011
O mundo assiste aos desdobramentos da crise que eclodiu há três anos nos Estados Unidos, agora tendo a Europa como foco. Tanto as interpretações do que ocorre quanto as previsões para a superação dos problemas são motivos de agenda com intensos debates, em que os aspectos econômico-financeiros assumem protagonismo.
As expectativas são de tempos difíceis, com a receita de corte de gastos públicos, economia nos custos sociais, revisão no modelo de previdência, entre outras medidas. Em oposição, políticos e pensadores reconhecidos defendem ação governamental pró-ativa, de modo a promover investimentos e a incentivar a geração de emprego.
Se nos Estados Unidos o núcleo da crise teria sido a “bolha imobiliária”, com exuberância de financiamentos inflacionados para compra e recompra de bens imóveis, sobretudo moradia, na Europa critica-se a aplicação de exagerados recursos em obras de infraestrutura, desproporcionais às possibilidades dos países.
Os Estados Unidos, à maneira dos países europeus, são praticamente urbanos, com quase totalidade de suas populações morando em cidades.
As supostas causas originais apontadas para a crise são, no geral, imbricadas também no modo como tais países tratam o tema urbano. Há que considerar que os modelos urbanísticos adotados têm relação com o vulto dos dispêndios realizados. Não obstante, o debate ainda desconsidera essa vinculação.
Dois aspectos gostaria de destacar: (i) a ênfase à mobilidade por automóvel e (ii) a expansão exagerada da área ocupada pela cidade. Já os tenho comentado nesta coluna, pois ambos tem sérias responsabilidades no esgarçamento do espaço público como lugar da interação social e no aumento dos custos da cidade.
Por tais razões, já se qualificariam na condição de temas importantes a serem revistos no debate sobre o futuro das cidades. No entanto, no âmago da crise atual, diria que a compreensão de tais responsabilidades seria motor importante para o apropriado encaminhamento das soluções a médio prazo.
No caso da moradia nos Estados Unidos, o modelo suburbano de baixa densidade, predador de território e de alto custo unitário de infraestrutura, parece dar sinais de enfraquecimento. Recentes estudos indicam a desvalorização de bairros inteiros nas fraldas urbanas e a recuperação de valor em áreas centrais das cidades. Associado a essa possível tendência, caminhar e andar de bicicleta tem composto um novo padrão tanto para os deslocamentos como para a própria vida urbana.
No entanto, o modelo americano ultrapassado foi adotado com sofreguidão –e extemporaneamente- por muitas cidades européias. Talvez um dos casos mais evidentes seja o de Madri.
A capital espanhola, um ambiente urbano de alta qualidade, deixou-se seduzir por novos bairros periféricos, monofuncionais, pouco densos. Expandiu as linhas de metrô, mas expandiu mais as pistas para automóveis, em anéis de circunvalação, para incorporar moradias e edifícios corporativos, de bela expressão arquitetônica, mas em baixa densidade.
O seu novo aeroporto de Barajas é exemplar. Lindas e enormes construções demandam energia excessiva que, em distâncias quilométricas, exaurem usuários e também geradores… O território ocupado por Barajas é típico da grandiloqüência: tem aproximadamente metade da área da cidade de Paris (sim, esta com todos seus 20 “arrondissements”). É quatro vezes maior do que o território de Heathrow, Londres, que tem movimento de passageiros 50% maior.
Os custos de implantação desses novos equipamentos ou bairros já estão realizados. Mas a conservação e manutenção deles serão pagas indefinidamente. Para estas despesas, há pouco a fazer.
No entanto, as cidades continuam. Nas inflexões políticas ou econômicas podemos encontrar estímulo a revisões. Quem sabe nossas cidades poderão não apenas ajudar a diminuir as incertezas da crise como a própria crise poderá ajudar nossas cidades a refazerem alguns de seus rumos mal sucedidos?