O presidente eleito, em seu primeiro pronunciamento após a vitória, comprometeu-se a proteger pessoas e famílias que vivem em situação de rua através da retomada do programa Minha Casa, Minha Vida – MCMV.
É uma boa notícia o tema da habitação estar na pauta prioritária do novo governo. Por certo, o necessário redesenho do MCMV incluirá garantir o protagonismo da família na decisão de como, onde e em que condições morar. A participação social na elaboração dos programas de governo, como condicionou o presidente eleito, evitará que conjuntos residenciais negociados entre governos e empreiteiras sejam um prato servido pronto.
De fato, a Habitação é tema complexo. Em geral, é tratado apenas como promoção de moradia, mas na cidade contemporânea a Habitação não é só a casa, engloba também a infraestrutura, os serviços públicos, os equipamentos sociais, a mobilidade. Habitação é cidade.
A Habitação tem larga repercussão na economia, na política, na saúde, na educação, na cultura e até no planeta. O clima depende da cidade. Uma cidade expandida em baixa densidade, sem boa infraestrutura, com mobilidade deficiente, não impacta apenas as pessoas, que sofrem em seu quotidiano, impacta todos aqueles fatores. Essa interdependência pede que o tema seja tratado permanentemente e de modo transversal às políticas de Estado.
Reconheçamos que no Brasil a questão é mais grave. Desde meados do século passado, a população brasileira cresceu quatro vezes, o que alguns demógrafos consideram algo inédito no mundo em tão pouco tempo. No mesmo período a população urbana cresceu quinze vezes. E o número de moradias urbanas cresceu trinta vezes!
E como foram produzidas estas novas moradias? Oitenta em cada cem domicílios foram construídos exclusivamente com os recursos das famílias; vinte em cada cem, apenas, tiveram algum financiamento ou foram promovidas pelos governos. Esse quadro se desenrola desde o BNH até o MCMV, sem mudanças.
Recursos importantes foram destinados no segundo mandato de Lula e no governo de Dilma Roussef. Não obstante, a percentagem de moradias construídas pelo MCMV em relação às que foram construídas no país não ultrapassou a percentagem média de moradias financiadas desde os tempos do BNH. Continuamos nos mesmos 20% – e até menos.
Isso demonstra a enorme potência do povo brasileiro na produção da sua moradia. Mas, não é suficiente. Também explicita que a cidade é uma construção compartilhada, onde cabe ao coletivo a produção das infraestruturas e serviços. A escassez de Estado nos territórios populares, das favelas, loteamentos e periferias de nossas cidades é corolário da falta de política habitacional e urbana no país.
Sendo redesenhado, como é desejável, o MCMV,2, além de oferecer financiamento para a decisão das famílias, precisará contemplar a urbanização desses assentamentos populares existentes, onde as famílias já construíram suas moradias.
Nesse tema o país tem boa experiência, como é o caso do Programa Favela-Bairro, no Rio de Janeiro, ou o Renova São Paulo, em São Paulo, bem como em outros estados. A Colômbia, em Medellin e em Bogotá, seguiu e inovou essa experiência brasileira com ótimos resultados.
Cuidar da cidade significa qualificar os seus espaços públicos para a interação social, buscar a equidade pela universalização das infraestruturas e serviços públicos, bem como torná-la atenta ao planeta e ao clima. Afinal, a cidade é o lugar da maioria da população mundial. No nosso caso, de 85% dos brasileiros.
Agora em novembro, no Egito, na Conferência da ONU sobre questões climáticas, a COP27, em que o Brasil deverá reinserir-se como protagonista, seria útil reforçar a questão urbana como parceira da sustentabilidade global. O tema da Habitação é central para o planeta e é básico para o desenvolvimento do país.
Ademais, tratar bem da cidade significa cuidar do povo.