Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 09/11/2013
Há 50 anos realizou-se no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, a sessão de encerramento de uma série de encontros nacionais dedicados ao tema urbano. Promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil e intitulado Seminários de Habitação e Reforma Urbana, tornou-se um marco histórico pelo enfoque e pelas propostas, algumas ainda atuais.
A ênfase foi na moradia e na questão fundiária, em função da emigração do campo. Quitandinha propunha que a Reforma Urbana fosse incluída, em simetria com a Reforma Agrária, no rol das “reformas de base”, então dominantes na pauta política brasileira.
De lá para cá, o Brasil deixou de ser predominantemente rural e hoje 85% de seus 200 milhões de habitantes vivem em cidades. O país industrializou-se, tornou-se celeiro mundial, é potente em energia. É uma democracia.
Apesar de ser a sexta economia mundial, metade dos domicílios não tem esgoto adequado, a moradia é em sua maioria irregular, dezenas de milhões de brasileiros perdem horas diárias em um trânsito caótico; os serviços públicos (inclusive o de segurança) atendem apenas partes das cidades.
Por que o Brasil enfrentou desafios na economia, na produção, na política, e não foi capaz de fazê-lo em relação à cidade?
A experiência demonstra que o crescimento econômico não é suficiente para superar as dificuldades urbanas. (Ao contrário, ele as pode agravar, como Jane Jacobs avaliou para as cidades norte-americanas ainda nos anos 1960.) Para supera-las, é preciso reconhecer os problemas, inclui-los na agenda política, assumir compromisso coletivo.
Sem os enfrentar, é o país que perde.
A cidade é o núcleo potencializador do mundo contemporâneo em suas áreas dinâmicas: economia, cultura, inovação, conhecimento, comunicação. É um equívoco imaginar-se o desenvolvimento nacional dissociado da qualificação das cidades.
No cinquentenário do primeiro evento de reforma urbana brasileiro, arquitetos e amigos da cidade voltam ao mesmo local para concluir novo ciclo de debates, desenvolvido ao longo de 2013 em diversos estados de todas as regiões do país. Intitulado Quitandinha + 50, identificou o cerne dos desafios a enfrentar como composto pelas questões ambientais, pela desigualdade e pela mobilidade.
Em desdobramento, o Q+50 propõe a criação de metas locais e nacionais para a universalização dos serviços públicos e do crédito habitacional diretamente às famílias. Considera que a mobilidade nas grandes cidades precisa estar baseada no pedestre e em rede de transporte público de alta capacidade. E, sob o ponto de vista da gestão, defende a participação e transparência nas decisões, com cidades permanentemente projetadas, como função de Estado, e não de governo; metrópoles com estatuto próprio; e licitação de obras públicas somente a partir de projeto completo. Cidades melhores, para as pessoas.
Mudaram os tempos, mudaram as ênfases – e as cidades carregam os problemas do século passado. Mas elas clamam por uma agenda pública que as conduza para a contemporaneidade.