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Artigos

Estímulo à produção de moradias

By 01/02/2009setembro 23rd, 2021One Comment

É para esta semana que a imprensa está anunciando um pacote federal para estímulo à construção civil. Reduzir impostos e rever as condições do seguro obrigatório são algumas das medidas previstas. Ótimo.
É anunciada, também, a possibilidade do governo garantir a compra de empreendimentos prontos ou a construir. Isto é, a empresa imobiliária constrói sabendo que o governo adquirirá.
É aí que mora o perigo.
Nessa modalidade, governo e empresários é que decidem. A família que precisa de financiamento para morar com dignidade só pode aderir ao negócio. Ou compra ou compra. E se não quiser comprar? Estão aí os loteamentos clandestinos e as favelas à disposição…

Os esqueletos do sistema financeiro
Há alguns anos era assim mesmo, de um modo um pouquinho diferente: o empreendedor imobiliário conseguia o financiamento para a construção e tinha a garantia que a dívida seria repassada aos futuros mutuários. Houve momentos em que se discutia se o empreendedor precisaria vender 30% ou 40% das unidades construídas –ou se o governo garantiria todas elas.
Assim se construíram por esse Brasil afora os conjuntos residenciais que fizeram a má fama dessa tipologia.
Localizados lá para além do fim da cidade, o que importa? Com a qualidade ínfima que for possível, o que tem? Está tudo na conta do governo. À disposição para invasões, bucha de canhão para uma política paternalista e para a promoção de negócios duvidosos articulados entre o construtor e os agentes públicos.

Nos anos 90, felizmente esta modalidade de escárnio em relação às famílias pobres foi abolida. Os financiamentos não seriam mais repassados automaticamente: se a empresa não vendesse, problema dela; precisaria honrar o empréstimo que tomara.
O problema é que o crédito continuou escassíssimo.

O crédito para a família
Nesses anos 1990, foram criadas as “cartas de crédito”.
A família que quisesse uma moradia, poderia buscar no banco o financiamento e, com ele aprovado, ia ao mercado escolher o que melhor lhe aprouvesse.
A Prefeitura do Rio, através da secretaria de Habitação e do Previ-Rio, foi pioneira, oferecendo cartas de crédito aos funcionários municipais.
O programa foi um sucesso. Todos funcionários que quiseram, a partir de 1995, resolveram seu problema de moradia. A carta de crédito permitiu que cada família decidisse onde morar, como e em que condições.
Isto reduziu o empreendedorismo imobiliário?
Ao contrário, ele foi ampliado. Milhares de negócios foram promovidos desde então, com os empresários buscando a satisfação do cliente, aquele que paga a conta, que vai morar no imóvel.
As cartas de crédito no mercado bancário, para as famílias comuns, porém, não foram para a frente. Continuam a enfrentar uma burocracia sufocante. E o desinteresse dos bancos.

Crédito para o construtor
Tal como as indústrias em geral, também a da construção de moradias precisa de crédito.
Mas, se a Brastemp toma um financiamento para produzir um produto a cadeia do crédito se esgota aí mesmo. A Brastemp não negocia a dívida com o comprador final: ele poderá comprar a crédito, mas será outra operação, totalmente à parte. Ele sabe que em qualquer loja que for para comprar uma geladeira ele terá possibilidade de financiar o bem. Não precisa ser apenas aquele da Brastemp, naquela loja.
Isto é, o crédito para a indústria é um; para o mutuário, é outro.
Não devemos obrigar o comprador final a ficar com o financiamento da produção sob pena de não ter nenhum financiamento.
Ou será que a Caixa (ou o Bradesco, ou …) vai dar crédito para uma família enquanto não passar para a frente os empreendimentos que comprou?

Por que na moradia tem que ser diferente?
O Brasil produz cerca de 1,3 milhões a 1,5 milhões de domicílios urbanos a cada ano. Nem 20% deles tem financiamento, seja para a produção seja para o mutuário final.
Isto é: quase 1 milhão de moradias são construídas no país exclusivamente com a renda da família. É por isso que nossas cidades não tem como enfrentar a irregularidade e a ilegalidade.Mas, o governo quer estimular a construção civil?
Tem um caminho garantido: tornar disponível o crédito para as famílias decidirem. Tal como fazem quando vão a uma loja de eletrodomésticos. Ou a uma revendedora de automóveis.Primeiro escolhem o que querem; depois assinam o financiamento.
-Quer comprar o apartamento? Tudo bem. Quer construir? Tudo bem. Está aqui o crédito.

Sem favelas e sem loteamentos irregulares
Se o crédito for uma política, é claro que muitas famílias precisarão de subsídio (no entanto, por certo o subsídio não será maior do que os negócios imobiliários exigiriam…). Se o crédito para as famílias se tornar uma política, em alguns anos a imensa maioria das moradias urbanas estará sendo produzida por empresas construtoras, regulares; as famílias não precisarão passar pelo sufoco de morarem em loteamentos irregulares ou em favelas ou em conjuntos residenciais abaixo da crítica; e nossas cidades paulatinamente poderão pensar em planejar seu desenvolvimento.
Será muito para um país que produz 2,5 milhões de automóveis por ano, todos com financiamento? Afinal, as casas são apenas pouco mais da metade desse número…