Há uma saudável polêmica na mídia, que começou com a notícia de que o Instituto Pereira Passos retirou do cadastro de favelas alguns assentamentos já urbanizados. Um amigo me pediu que esclarecesse melhor uma declaração minha que O Globo publicou no domingo, dia 5 de junho.
Entendo que favela se caracteriza sobretudo pela forma urbana, resultante de ocupação orgânica, sem precedência de traçado. Como demonstrado, a forma urbana não é impedimento para a implantação das infraestruturas e equipamentos indispensáveis à vida moderna; também é possível adequar o sistema viário de modo a permitir o acesso dos serviços públicos, pelo menos, à maior parte do assentamento ; e, ainda, é possível definir os limites público-privado.
Antes, eu achava que isso seria suficiente para a plena integração à cidade. Mas, depois dos primeiros anos de urbanização tipo F-B, vimos que em muitos lugares os serviços públicos não permaneciam, inclusive o de segurança. Sem este, muitos dos outros ficavam prejudicados, como o do controle urbanístico e edilício. Voltando o domínio territorial pela bandidagem armada, fortalece-se a ideia, obviamente preconceituosa, de que a favela é a causa da violência… Daí a confusão, entre muitos, de que somente deixará de ser favela quando não houver domínio territorial armado pelos bandidos.
Perguntado pela repórter do Globo sobre que percentagens de implantação de infraestrutura e de serviços públicos eu considero necessárias para que a favela deixe de ser considerada como tal, minha resposta foi mais ou menos a seguinte : – Uma vez infraestruturada e com os equipamentos públicos comuns, os serviços precisam ser os mesmos dos bairros vizinhos. Nem mais, nem menos. Inclusive o de segurança pública.
O fato da Prefeitura considerar como cidade algumas favelas que foram urbanizadas, para mim é uma declaração anti-preconceito que precisa ser exaltada. O Rio se reafirma como cidade não discriminatória sintonizada com o século XXI e com as mais legítimas esperanças de vir a ser um lugar com equidade.
Concordo que seja feita a lista pela Prefeitura, porque é uma demonstração política de grande compreensão sobre a característica diversificada e múltipla do Rio, talvez a sua mais importante qualidade urbanística.
Pode o prefeito até não tido clareza disso, mas o Rio se posiciona à vanguarda no urbanismo contemporâneo, com respeito às diferenças, sem intolerância. A favela deixa de ser gueto, com pleno acesso de todos os serviços públicos, e passa a ser uma parte da cidade, com morfologia própria, em uma cidade morfologicamente múltipla.
Finalmente, e não menos importante, cria uma fronteira clara sobre o conceito de cidade que ajuda à universalização do serviço de segurança pública, o objetivo maior da UPP.
Leia o editorial do jornal O Globo de 07/06/2011: “Cuidados com a definição de ‘ex-favelas'”