*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 05/05/2012
Pesquisa recente do IBGE informa que, das cidades brasileiras, onde se gasta mais tempo nos deslocamentos diários casa-trabalho é no Rio de Janeiro. Explica-se com a insuficiência dos meios de transporte –mas, em geral, justifica-se com o tamanho da cidade. Mas, será inexorável que a grande cidade tenha baixa qualidade de vida?
A metrópole é um fenômeno recente. Seu tamanho, territorial e demográfico, bem como a multiplicidade de funções que abriga, fazem-na extremamente complexa. No caso do Rio, com doze milhões de habitantes, tem população maior do que importantes países, como Bélgica e Portugal.
Pouco avaliamos a complexidade da grande cidade. Como uma metrópole repete os mesmos elementos formais (ruas, edifícios, fábricas, igrejas) de cidades menores, sua morfologia é pouco específica. Assim, nossa percepção sobre ela fica embaralhada, pois nossa capacidade cognitiva é insuficiente para abranger o todo. Vivenciando apenas partes da cidade, a apreensão que dela podemos fazer sempre é parcial.
Jorge Luís Borges, o grande escritor argentino, mitificava a sua cidade como sendo a sua pátria. De modo estrito, dizia: “Minha pátria – Buenos Aires – é minha casa, os bairros amigáveis, e justamente essas ruas e retiros, … o que nelas existe de amor, de dores e de dúvidas”.
Semelhante embaralhamento ocorre mesmo com os governantes. As metrópoles englobam vários municípios. Cada um tem um universo político-territorial e suas premências são tratadas isoladamente. A articulação de políticas públicas entre municípios é muito rara. Também na esfera estadual assim se passa. As concessionárias de água, de esgotos, de eletricidade e de transportes, no caso do Rio, atendem a partes do território metropolitano. A rigor, não temos instituições metropolitanas. No Rio, a agência que teria atribuições de coordenação, criada quando da fusão entre Guanabara e Rio de Janeiro, foi extinta pouco depois. Desse modo, sem mediação, prevalecem as demandas específicas dos estratos sociais e econômicos mais bem posicionados.
Contudo, a metrópole não é uma abstração.
No mundo contemporâneo, são as grandes cidades os motores do desenvolvimento. Quanto mais se desenvolvem a tecnologia de informação e o mundo virtual, mais as cidades se tornam atrativas. Para o sociólogo catalão Manuel Castells, a suposição de que “a comunicação eletrônica domiciliar induziria o declínio de formas urbanas densas” não se confirmou. Ao contrário, os serviços avançados aumentaram sua participação na composição do PIB, sobretudo em áreas metropolitanas, ao invés de disseminados pelos tecidos nacionais. Segundo Paul Krugman, Nobel de Economia, as megacidades e as megarregiões serão o cenário concentrador da inovação nas próximas décadas. A economista norte-americana Saskia Sassen corrobora esse papel estratégico das grandes cidades, tratando-as como pontos nodais da economia e da inovação.
Segundo tais autores, são as metrópoles que conseguem dispor de ambientes urbanos qualificados como exigido pelos negócios mais avançados, que incluem boas escolas, bons serviços de saúde, de arte, cultura e entretenimento –e, em especial, a superior possibilidade de interação. Mas não apenas as grandes empresas assim o demandam; os micro, pequenos e médios negócios sobretudo dependem da qualidade urbana para prosperar–e assim se estabelecer uma cadeia produtiva auspiciosa.
Sob o ponto de vista urbanístico, porém, a metrópole precisa ser tratada, ela não é fruto da natureza.
As grandes cidades, que abrigam milhões de pessoas e são essenciais à vida contemporânea, requerem estatuto próprio. São fenômenos permanentes, a exigir estudos continuados que fundamentem políticas públicas para além dos mandatos governamentais. No Brasil, elas não estão contempladas no arcabouço político-eleitoral. Contudo, precisam de instituições específicas, que façam a ponte entre a nossa percepção, necessariamente parcial, e as exigências do conjunto social na escala da metrópole.
Os problemas identificados com o tamanho da metrópole não a inviabilizam, ao contrário, podem ser avaliados em sua potência criadora. No Rio, se a energia de milhões de cidadãos é desperdiçada abusivamente no transporte quotidiano, isto não pode ser atribuível às periferias mais distantes. A alta percentagem de viagens com grande gasto de tempo indica que é um problema de toda a metrópole, inclusive do núcleo, a capital. É o sistema geral de mobilidade que não é apropriado à grande cidade –e que demanda revisão de modelo e investimentos importantes. Não é Japeri que produz o índice, embora bem o exemplifique.
Seguramente, não é destino inexorável da grande cidade a baixa qualidade de vida. É apenas o desafio que está colocado –e que nos compete superar, por todas as razões.