O GLOBO 06 abr 19
O século XIX viu emergir um fenômeno novo, a cidade da industrialização. Ante suas péssimas condições sociais e ambientais, pensadores modernos idealizaram que novos espaços levariam a uma nova sociedade.
Le Corbusier, o maior teórico do Movimento Moderno, propôs uma nova Paris arrasando o centro milenar. Mesmo não construída, o modelo serviu ao proselitismo moderno. Trinta anos depois, a cidade moderna e funcional teve em Brasília o seu melhor exemplo.
Ao perder a condição de capital federal, o Rio quis demonstrar que também podia ser a cidade do futuro.
Ainda no vigor modernista, em 1963, o governo da Guanabara contratou o “Plano Rio Ano 2000”. O arquiteto grego Doxiadis propôs desconstituir o Centro, transferir as indústrias da Zona Norte para Santa Cruz e a expansão da cidade em vinte vezes. Mais modesto, o governo seguinte decide planejar a região da Barra da Tijuca, de área equivalente à da cidade de então, e chama Lucio Costa, nosso maior urbanista.
Não se trata do projeto de um bairro, diz Lucio, “mas, de certo modo, a futura capital do Estado.”
Em semanas, o Plano é lei. E a autoridade que o contratou comemora: “começa a erguer-se, na Baixada de Jacarepaguá, a mais bela cidade oceânica do mundo.”
A Cidade Maravilhosa já não mais servia.
Desde então, os recursos públicos priorizaram a Barra. Enfraqueceu-se o Centro. Fecharam indústrias da Zona Norte, à época a região de maior vitalidade econômica e de maior população, e não foram para Santa Cruz.
De capital federal a município, o Rio viu seus orçamentos públicos minguarem enquanto a cidade se expandia predatoriamente.
O Globo mostrou há dias que metade do município está sob controle de milícias, fora as áreas sob controle de traficantes. Até quando podemos ignorar as questões urbanísticas?
Se tivemos caminhos tortuosos, é indispensável tratar de mitigá-los. É questão de sobrevivência, de civilidade e de cidadania. A universalização dos serviços públicos, inclusive o de segurança, essencial, não coaduna com a expansão da ocupação. Os recursos são escassos, a vida urbana pede espaços públicos bem tratados, com vitalidade econômica e social. A recuperação do Centro e da Zona Norte é vital.
A cidade existente é o lugar do futuro.