O Globo nov 2015
Está em mãos da Presidente Dilma Roussef asfaltar, ou não, a Estrada dos Malfeitos. A estrada também pode ser alargada e estendida. Ou não.
A essência é: o país quer, ou não quer, projetar o seu espaço?
É verdade que o Brasil convive com o imprevisto desde Pedro Álvares Cabral. D. João e sua Corte chegaram aqui, fugidos de Napoleão, no improviso. O Império foi fundado em um impulso do Príncipe às margens do Ipiranga. A República foi proclamada em um susto do velho Marechal. A capital foi para Brasília por arroubo do candidato JK em comício em Goiás.
Nada disso, de fato, foi imprevisto. Tudo foi longamente pensado; as providências é que são postergadas até o último momento. Aí, improvisa-se.
Mas, com 205 milhões de brasileiros, grande economia, vinte metrópoles – não dá para ignorar a nossa complexidade. Ainda que o país não seja chegado ao planejamento, os tempos atuais são férteis em demonstrar que a imprevidência e o improviso são parteiros para todo tipo de rebento malfeito.
Veja-se a Petrobras. Desde 1998 dispõe de um “regime licitatório diferenciado” que lhe permite encomendar suas refinarias sem projeto. Em 2011, ante a premência da Copa do Mundo e a falta de projetos não providenciados, o governo adotou um procedimento assemelhado. Criou o “Regime Diferenciado de Contratações” (RDC) e a “Contratação Integrada”. (Como o nome diz, contrata integradamente projeto e obra.) Assim, entregou aos empreiteiros o projeto e a construção dos estádios. Aproveitou para incluir nesse regime as obras da Olimpíada, do PAC e do SUS – onde a falta de projetos era conhecida. Nós hoje sabemos o resultado, seja no custo dos estádios, nas obras atrasadas ou no mostrado pela Operação Lava-Jato.
A Contratação Integrada-RDC admite licitar a obra com base em informações técnicas precárias, insuficientes para definir custos, prazos e qualidade. Isso só seria aceitável em condições especialíssimas. Como regra universalmente aceita, o Projeto Completo é indispensável. Tratando-se de obra pública, é o mínimo capaz de oferecer a necessária transparência na contratação da empreiteira.
Há semanas, o governo editou nova MP ampliando o RDC para obras de segurança pública. Mas, no improviso, talvez, o Congresso estendeu a sua aplicação para todas as obras de Mobilidade, de
Infraestrutura e de Educação, Ciência e Tecnologia. Ou seja, para as obras públicas no Brasil, federais, estaduais e municipais.
Você acha que o trânsito vai melhorar? Que os rios serão despoluídos? Que a violência urbana diminuirá? Que as safras serão escoadas com mais facilidade? Que teremos mais pesquisa e inovação?
Que os custos diminuirão?
Esta Medida Provisória, assim estendida, se encontra à sanção da Presidente.
É certo que nas últimas décadas o Brasil desestruturou seus sistemas de planejamento, urbano e territorial, e de gerenciamento de projetos e de obras, públicos e privados. Quando voltou a possibilidade de investimentos no país, não buscou recuperar e fortalecer esses sistemas. Ao contrário: a premência e o improviso, bem como o interesse comercial das empreiteiras e o pragmatismo de resultados imediatos da administração pública, promoveram a sua contrafação: a Contratação Integrada-RDC.
Se, no âmbito federal, tal regime já demonstrou suas imensas possibilidades negativas, imagine-se estendido para os estados e os municípios, onde os serviços de acompanhamento e fiscalização são mais frágeis. Encomendando-se a construção de pontes sem projeto, escolas sem projeto, saneamento sem projeto, metrôs sem projeto, presídios, edifícios administrativos, tudo, enfim, não é exagero afirmar-se que a sociedade, que paga, pagará duplamente com alto preço e baixa qualidade. (Sem projeto = mal feito e bem pago.)
É o momento para aperfeiçoar a lei de licitações 8.666/93 ao invés de sepultá-la pelo RDC. Precisamos sair da armadilha do improviso e do premente.
Querem asfaltar a estrada. Veta, Dilma!, é o que pede a previdência. Sanciona, Dilma!, é o que diz o malfeito.