*Artigo publicado originalmente no O GLOBO de sábado, 01/05/2010.
As cidades brasileiras vivem período de ambiguidade, em que percebem que seus ambientes urbanos se encontram em níveis inferiores ao que a nossa contemporaneidade exige — não vendo como superálos. Elas precisam construir um entendimento sobre o futuro.
O caso do Rio de Janeiro é especial. Os próximos anos reservam à cidade oportunidades ímpares para o desenvolvimento. Mas nós também precisamos acordar o que queremos.
Está nos próximos meses o cerne de onde emergirá a possibilidade de consolidação dessas oportunidades. Nós nos acostumamos a cobrar dos políticos as soluções. Mas pouco nos dedicamos a construir o debate público, em busca de pontos em comum, de metas a alcançar.
Em geral, as eleições não têm colocado os temas urbanos. Precisamos que estas sejam diferentes. A Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, pela carga simbólica que retêm, bem como pela inexorabilidade de seus tempos e compromissos, podem ajudar a organizar um campo de entendimento que leve a acordos compartilhados pela sociedade e pelo poder público, em todas as instâncias.
Precisamos convidar ao debate urbano os candidatos ao governo e à presidência, e os que concorrem à Assembleia, à Câmara e ao Senado constituindo interlocutores qualificados atentos ao tema.
No Rio, um tema crucial é a excepcional condição de ser uma cidade metropolitana com 12 milhões de habitantes, de interesse mundial. Contudo, ela não é institucionalizada.
Não temos propostas sobre a ocupação do território, a mobilidade, o saneamento, o meio ambiente. Sua gestão, a representação metropolitana, os meios de potencializar os esforços locais, precisam estar no debate eleitoral. Por certo interessam à academia, aos movimentos sociais, aos órgãos representativos, à economia, enfim, à sociedade.
A mobilidade é outro tema que exige acordo. O padecimento de milhões de cidadãos no deslocamento diário é inquestionável. Uma política de mobilidade precisa ser construída. As deseconomias monumentais não podem ser vistas com desdém ou desalento. É preciso que encontremos um mínimo de racionalidade nas decisões que alcançam milhões de pessoas.
E a Baía de Guanabara? Vital para a ocupação da cidade, é essencial para a maior parte da metrópole. Sua recuperação dinamizará a Baixada, o Leste Metropolitano e reforçará a centralidade do centro histórico. A importância da baía para a Olimpíada poderá ser estímulo a acerto interinstitucional.
A Habitação clama por um acordo. A confusão entre favela e violência exacerba opiniões pela “erradicação”. Todavia, temos experiência que precisa ser considerada, onde se constata a inutilidade da remoção com propósito de redução da violência. Conjuntos residenciais, como Cidade de Deus, são evidência de que não está na forma urbana a matriz da questão.
Já temos um acordo: não queremos territórios dominados pela bandidagem, sejam eles bairros, loteamentos, conjuntos residenciais ou favelas. Queremos o Rio sob a Constituição, sem exceção de área alguma.
Assim, o êxito das Unidades de Polícia Pacificadora, conduzidas pelo governo do estado, é promissor. Onde estabelecidas as UPPs, há demonstração de uma nova vida social, sejam favelas (Santa Marta, Cantagalo), conjuntos (Cidade de Deus) ou loteamento (Batan).
Mas, com o governo presente, não será mais favela? A experiência nos diz que é possível urbanizar loteamentos e favelas com alto grau de eficácia quanto a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos. E que apresenta melhores resultados econômicos e sociais do que seria a alternativa de reassentamento das famílias. O entendimento em um planejamento de médio prazo que possa urbanizar todas as favelas consolidadas, garantindo implantação dos serviços públicos, inclusive o de controle, por certo mudará a história — e, se os Jogos de 2016 forem um marco para tanto, seu legado será socialmente o mais transformador possível.
Finalmente, as oportunidades objetivas dos grandes eventos. A Copa e a Olimpíada servirem como reforço da centralidade metropolitana localizada no Centro Histórico é cada vez mais presente. O aproveitamento da área portuária como sede de importantes equipamentos será passo decisivo. Com ele, se potencializarão os olhares por sobre a Zona Norte suburbana e os investimentos em transporte, habitação, saneamento e, sobretudo, recuperação ambiental e econômica. Novas oportunidades se apresentarão, capazes de frear a expansão inglória que a cidade experimenta, em crescente e ingovernável dispersão.
Está na hora de o Brasil desejar um ambiente urbano qualificado. Mas, isto não se resolve por mágica. Precisa estar na agenda. Precisamos convidar ao debate urbano os candidatos ao governo.
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