O GLOBO 01/09/2018
As principais metrópoles brasileiras deveriam ser inseridas na Federação de modo peculiar
O desenvolvimento nacional pede que se recoloque a cidade brasileira como lugar da liberdade e da esperança. É necessário buscar um novo arranjo institucional para as grandes cidades e os pequenos municípios.
Em especial, as principais metrópoles carecem de voz política e autonomia administrativa e financeira, do tipo cidade-estado.
Se a cidade é o lugar da liberdade, como diz o ditado medieval alemão, é também o lugar da esperança. A esperança foi para milhões de brasileiros a mola propulsora que lhes permitiu enfrentar os desafios da emigração do campo e tentar a vida urbana.
Foi com esse sentimento que as cidades brasileiras viveram a explosão demográfica, com que passaram de 12 milhões de habitantes para 180 milhões em poucas décadas. Mas tal aumento não se deu apenas pela imigração. Se ela foi o estopim, a causa principal é a própria cidade, que, pelas condições sanitárias, de trabalho, ensino e lazer, reduziu a mortalidade infantil e aumentou a longevidade.
Depois da Revolução de 1930, com as políticas getulistas, a inserção de famílias pobres na economia urbana em modernização foi fundamental para a sociabilização do país. É preciso reconhecer, contudo, que nossas cidades não foram para todos o oásis desejado, deixando milhões no caminho da frustração. O ciclo, porém, se esgotou sem que o Brasil criasse novas bases para o desenvolvimento inclusivo. Ao contrário, expandiu a desigualdade e esgarçou-se a coesão social.
Não obstante, as cidades brasileiras, e o Rio por excelência, cumpriram o papel de um país acolhedor, generoso, promissor, cheio de esperança. É, pois, com nostalgia e uma certa tristeza que se constata a deterioração do sistema urbano brasileiro. Será irreversível?
Depende. O país saberá voltar o seu olhar para as cidades? Os brasileiros quererão valorizar os aspectos positivos da vida urbana, como o convívio livre entre as diferenças? Saberemos compreender que o sofrimento diário de milhões no transporte péssimo que lhes é oferecido é uma perversidade, fruto do descaso? Que a falta de saneamento é expressão da morte? Que a moradia insalubre e precária não é um destino?
O mundo de hoje é globalizado; na globalização as grandes metrópoles, um fenômeno novo, são o motor do desenvolvimento. Requerem trato específico, segundo suas vocações — e até além delas. É o que o Leste Asiático tem mostrado com excelentes resultados, como Seul, capital da Coreia do Sul.
Para corresponder às exigências do século, as principais metrópoles brasileiras deveriam ser inseridas na Federação de modo peculiar. Não faz sentido sua equiparação institucional a pequenos burgos imposta pela
Constituição de 1988. São cidades com milhões de habitantes, que abrangem vários municípios, onde a superposição de competências municipais e estaduais compromete a governança e impede decisões indispensáveis. Para responderem aos desafios, convém às principais metrópoles
terem autonomia político-administrativa e financeira. Ao incorporarem as atribuições e os recursos
municipais e estaduais, e parte dos federais, em um só governo, terão voz política, serão menos
custosas e mais eficientes.
No Rio, propõe-se o debate para que a cidade metropolitana, o dito Grande Rio, seja instituída como estado, uma metrópole-estado do século XXI.
Os milhões de brasileiros que se encontram sem liberdade, pela imposição da violência, e sem esperança, pelas dificuldades do cotidiano, precisam da cidade com serviços públicos plenos, universalizados, eficientes, democratizados — talvez refeitos. Isso não se alcança insistindo no arcabouço institucional superado.
Alguns caminhos são conhecidos. Teremos a vontade de estudá-los? Por certo, também o estado-mãe e seus municípios ganharão em eficiência, protagonismo e qualidade de vida.
Não se dá um cavalo de pau na indiferença para ela se tornar solidariedade. Contudo, dá para mudar o rumo, ainda que na velocidade do possível.