Luiz Carlos Toledo*
O seminário “A Fábrica de Movimentos & Mobilidade Urbana: o que move a ação pública?”, realizado no IAB/RJ, levou-me a refletir sobre experiência relativamente recente quando estive a frente da equipe que elaborou o “Plano Diretor Sócio Espacial da Rocinha” – muitas vezes confundido com o PAC da Rocinha – que teve por objetivo implantar algumas proposições do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro.
Foi com satisfação que vi, no seminário, a mobilidade urbana ser tratada pelo viés correto e adequado. Isto é, sem concentração excessiva na questão dos transportes, tema importante, porém não exclusivo, quando se estuda os deslocamentos de pessoas pela estrutura urbana.
Minha entrada e de minha equipe na Rocinha deu-se a partir de um “Concurso Nacional de Ideias para Urbanização do Complexo da Rocinha”, promovido pelo Governo do Estado em convênio com o IAB/RJ, em 2005. A equipe, formada por arquitetos, engenheiros, sociólogos, assistentes sociais e moradores da comunidade, reuniu-se, durante um ano e meio, em um escritório por nós instalado na Estrada da Gávea, perto da famosa “Curva do S”, no interior da favela.
Essa imersão na área de estudo, a camaradagem com os moradores que integravam a equipe, o convívio com as lideranças locais e as dezenas reuniões realizadas nos sub-bairros da favela fizeram com que o Plano se destacasse pelo alto grau de participação popular. Se não fosse a participação dos moradores e a presença constante da equipe no dia a dia da comunidade, não teria sido possível entender o que se passava com a Rocinha e muito menos propor diretrizes para o seu desenvolvimento.
Assim procuramos ir além dos meios de transporte formais e incorporar, ao estudo, as estratégias utilizadas pelos moradores para locomover-se dentro e fora da comunidade. Essa pesquisa nos levou a algumas conclusões interessantes que nos estimularam a propor um conjunto de intervenções de grande simplicidade, evitando soluções caríssimas, envolvendo teleféricos e elevadores midiáticos, que tanto em termos físicos como simbólicos passam ao largo da delicada tessitura dos becos, vielas e ruas das favelas cariocas.As ligações da favela com o restante da cidade pouco diferiam, em termos de transporte público, dos deslocamentos praticados pela população de outros bairros. Na verdade os moradores da Rocinha se encontram bem servidos por linhas de ônibus e vans que passam pela Estrada Lagoa Barra, pela Rua Marquês de São Vicente e, até mesmo, cruzam a favela pela Estrada da Gávea. Entretanto, a movimentação dos moradores no interior da favela e os percursos e estratégias utilizados, não eram tão óbvios quanto pareciam ser.
Qualquer pessoa que passe um dia na Rocinha irá se espantar com a intensa movimentação dos moradores disputando espaço com os caminhões, ônibus, vans, automóveis e motocicletas, que circulam pela Estrada da Gávea, da Via Ápia e da Rua do Valão, sem falar dos trechos carroçáveis da Rua Um e da Rua Dois, entre outras. As raras calçadas, quando existem, são tomadas por lixo acumulado e por uma infinidade de barreiras físicas que impedem a circulação de pedestres e os obrigam a correr risco de atropelamentos.
É importante frisar que a mobilidade na Rocinha se caracteriza pela sucessão de modais, sendo os deslocamentos a pé muito importantes. As dificuldades de circulação se acentuam devido as condições topográficas e obrigam as pessoas que usam ônibus, vans e moto-taxis a completarem seus trajetos a pé até as suas casas. São percursos repletos de escadarias mal projetadas e toda a sorte de barreiras, que tornam a caminhada extremamente difícil, ou impraticável para idosos ou portadores de necessidades especiais.
Durante meses analisamos esses percursos para compreender as diferentes estratégias utilizadas pelos moradores para fazer compras, visitar os amigos, ir a escola e, principalmente, para trabalhar, dentro ou fora da favela. Chegamos à conclusão que se respeitássemos essas estratégias, poderíamos adotar medidas muito simples para melhorar, em muito, a mobilidade na Rocinha. Decidimos, portanto, adotar as seguintes diretrizes:
- Requalificar a Estrada da Gávea, principal eixo viário da favela, eliminando as barreiras físicas e abrindo espaço para a implantação de baias de ônibus, de carga e descarga e para os compactadores de lixo da CONLURB. Implantar um binário num trecho da estrada de forma a estabelecer a mão única na Curva do S e, com isso, acabar com um dos piores gargalos da via, além de facilitar o acesso à UPA.
- Desimpedir as calçadas de barreiras físicas de forma a separar os veículos dos pedestres, aumentar a fluidez do tráfego e diminuir os engarrafamentos diários.
- Regularizar o estacionamento de veículos, disciplinar as atividades de carga e descarga e substituir os ônibus por micro-ônibus, por serem mais adequados a geometria da via.
- Alargar a Rua 4 que, em alguns trechos tinha menos de um metro de largura, não só para a desafogar a Estrada da Gávea, como para reurbanizar um dos trechos mais insalubres da comunidade.
- Conectar a Rua 2 com a Rua do Valão por meio de um Plano Inclinado para facilitar a circulação nesse trajeto que hoje só é possível com muita dificuldade.
- Requalificar as ruas principais, vielas e becos, regularizando na medida do possível o seu traçado para torná-las carroçáveis, sempre procurando evitar grandes obras e desapropriações.
- Criação de um sistema composto por cinco Planos Inclinados que possibilitará aos moradores se deslocarem da Gávea até São Conrado à pé, superando os trechos mais difíceis por meio desses planos inclinados.
Essas propostas, entre outras contidas no “Plano Diretor Sócio Espacial da Rocinha”, privilegiam a simplicidade e o baixo custo, principalmente, se comparadas com soluções que vêm sendo adotadas em outras comunidades.
A Rua 04, antes e depois das obras de urbanização. |
* Luiz Carlos Toledo é arquiteto urbanista, professor da UERJ e sócio-diretor da M&T-Arquitetura.