*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 15/10/2010
Eduardo Paes e Sérgio Magalhães
Em julho lançamos uma meta: todas as favelas do Rio urbanizadas até 2020 através do programa Morar Carioca.Trata-se de um objetivo ousado que se compõe ao legado social dos grandes eventos que a cidade sediará, como a Olimpíada de 2016.
Um dos primeiros passos desse projeto está sendo dado agora com o lançamento do concurso público, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ, com o objetivo de selecionar as equipes que elaborarão os projetos de urbanização de 260 das 378 favelas integrantes do programa.
No âmbito do Morar Carioca, urbanizar é tornar cidade.
A história do Rio, há mais de cem anos, é indissociável das favelas. No começo, foram consideradas efêmeras, que o desenvolvimento do país equacionaria. Lei de 1937 proibiu que o mapa da cidade incluísse suas favelas.
Quando ultrapassavam as centenas, passou-se à política de remoção compulsória. A reação social a inviabilizou. Não sem antes produzir grandes guetos localizados nas fraldas da cidade e que, após quarenta anos, ainda são lugares isolados e de muita pobreza.
A revisão política dos anos 1980 reconheceu as favelas como realidade social e urbanística. Implantaram-se as primeiras redes sanitárias.
Em meados da década de 90, a partir de uma revisão doutrinária, a prefeitura do Rio inicia o programa Favela-Bairro, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Caixa Econômica Federal.
O Morar Carioca aproveita as diversas experiências das últimas décadas, seus erros, acertos e desvios de rumo, buscando ampliá-las, no objetivo da superação plena desse enorme desafio de integração social e urbanística.
O convênio da prefeitura com o IAB-RJ também prevê promover a reflexão sobre essa experiência. Desde que o Favela-Bairro começou, as condições e exigências por certo se modificaram. Por exemplo, a disponibilidade de financiamento para construção de moradia popular não era tão ampla como agora. Na perspectiva de 2020, como proceder para que as favelas cheguem lá plenamente inseridas na cidade?
Refletir sobre a experiência, medir vitórias e derrotas, compreender as circunstâncias, tudo isso poderá resultar em revisão dos parâmetros a serem atendidos por projetos e obras.
Quais as novas exigências quanto ao sistema viário? Quanto às redes públicas? O que especificar para conservação e manutenção econômicas? Quais equipamentos sociais necessários? Onde localizá-los?
A reflexão por certo incluirá o tema das moradias precárias e do adensamento exagerado, onde há danos sanitários e ambientais. Melhorar a casa, com assistência e crédito, há de ser uma demanda importante nos próximos anos.
O desadensamento implicará a construção de novas moradias. Aproveitar vazios urbanos e edificações ociosas, como há na Zona Norte suburbana, é caminho possível. Integrar as favelas à cidade é também ampliar a cidade às favelas. Ampliar através de serviços públicos necessários à vida urbana de hoje.
Isso significa novos custos financeiros para a administração pública.Novos custos a serem cotejados aos prejuízos sociais, ambientais, econômicos e políticos hoje existentes.
Assim, a sustentabilidade dos investimentos estará suportada justamente na presença permanente dos serviços públicos na cidade ampliada. Todos eles, inclusive o de controle urbanístico e o de segurança pública. Logo, na garantia de não expansão da ocupação e da plena recuperação dos territórios para a legalidade.
Essa garantia talvez seja o maior dos desafios da cidade, que o Rio seguramente saberá enfrentar, de modo que, a partir de 2020, possa percorrer o século 21 no caminho da democratização social.
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