Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 315 – junho/2014
Os movimentos populares por moradia apresentaram intensa mobilização nas últimas semanas em diversas cidades do país. A crise da habitação, porém, não se resolve com a construção de moradia. Na cidade contemporânea, habitar envolve uma multiplicidade de condições – a casa é apenas uma delas. Enfrentar o problema habitacional pressupõe tratar a questão urbana de modo abrangente: na infraestrutura, na mobilidade, nos serviços públicos, no espaço público, nos equipamentos urbanos e, obviamente, no abrigo.
Contudo, nossas políticas públicas, quando existem, são sempre setoriais. Os gestores públicos enfrentam cada problema com o que lhe parece mais objetivo. Isso, porém, tende a conduzir a equívocos reiterados, como se dá na moradia popular.
No Brasil, há décadas, os governos insistem, como política de habitação, na construção da moradia utilizando o modelo dos conjuntos residenciais. A experiência demonstra um duplo fracasso dessa política: (i) na tentativa governamental de ter exclusividade na promoção habitacional popular; e (ii) na adoção de apenas uma modalidade, o conjunto residencial. Com isso, a produção de unidades é muito inferior à demanda, enquanto se amplia o número de moradias erguidas pelas famílias nas condições mais precárias. E vende-se a ilusão de que estamos enfrentando o problema da moradia popular.
Não há resposta única para um problema tão amplo. É a soma de respostas, pequenas e grandes, que poderá enfrentar a questão.
Entre elas está a qualificação do imenso patrimônio econômico, social e cultural já gerado pelo povo brasileiro na produção de suas moradias, muitas vezes mais bem inseridas no contexto urbano do que as dos programas oficiais. A urbanização desses assentamentos populares, em geral carentes de infraestrutura e equipamentos que somente o esforço coletivo pode prover, é uma resposta essencial.
Bairros bem localizados, mas hoje degradados, podem recuperar sua vitalidade com estímulos à produção nova e com melhor tratamento dos espaços públicos e dos serviços. É o caso de muitos bairros centrais de nossas cidades. No Rio, São Cristóvão, Benfica e muitos outros são excelentes lugares habitacionais à espera de política de recuperação. Imóveis mais antigos também oferecem uma infinidade de oportunidades de aproveitamento para a população de renda baixa e média, em especial para o aluguel social, desde que se trabalhe de maneira integrada com financiamento dirigido para a restauração desse patrimônio.
A valorização imobiliária, em geral, tem sido onerosa para as famílias que pagam aluguel, o que pode levar à sua expulsão para áreas periféricas. É um tema complexo. Políticas de moradia para aluguel vinculadas ao crédito para novas habitações, onde parcelas sejam necessariamente destinadas a famílias de renda mais baixa, têm sido testadas em diversos países com resultados satisfatórios.
Os financiamentos habitacionais estão dirigidos prioritariamente para governos e empreiteiros e é por meio deles que a família tem acesso ao bem. Com isso, prevalece o interesse comercial do construtor na escolha do lugar, da tipologia e da qualidade construtiva. A família precisa ter crédito independente – não pode ser um repasse do promotor – e deve poder escolher onde morar e em que condições.
Enfim, o programa federal Minha Casa Minha Vida, se deixar de ser visto como a única resposta para a crise de moradia popular, poderá prestar melhores serviços ao desenvolvimento social e urbano. Certamente estará mais bem inserido na cidade e com melhor qualidade projetual e construtiva.
O problema habitacional é do tamanho do Brasil urbano. Ele deve ter muitíssimas respostas.