O Globo 27 jan 18
Em tempos de informações globalizadas e de redes sociais, dadas como integradoras, parece paradoxal o avanço da segregação e do isolamento. Mundos à parte, alheios uns aos outros.
É o caso de jovens políticos brasileiros: criados em uma bolha, veem a vida desta perspectiva. Um deles, ante crítica de que o pai preso disporia da mordomia de um personal, propõe construir academia de ginástica em todas penitenciárias. Outro, com seu líder e pai na cadeia, assume o comando da grei e reitera métodos intimidatórios atribuídos ao preso.
Escrevo desconhecendo a sentença do TRF4 quanto ao triplex. Sei, porém, que, com qualquer resultado, partes da população se isolam em seus uazapes.
E a segregação em grau máximo, na Califórnia, dos pais que prenderam os treze filhos: como os parentes não sabiam? Como os vizinhos, em anos, não perceberam?
Em recente artigo no Globo, a jornalista Dorrit Harazim comenta a criação do “Ministério da Solidão”, no Reino Unido. Ele resulta da constatação de que muitos milhões de britânicos sentem-se isolados, boa parte passa um mês sem conversar com alguém conhecido. Já é questão de saúde pública.
A artista carioca que trabalha o tema da interação pessoal, Anna Costa e Silva, avalia, neste jornal, que as novas tecnologias criam “ilusão de proximidade”, pois “as pessoas já não lidam umas com as outras”, não se ouvem nem por telefone.
O diálogo e a interação estão bloqueados por diversas razões, como se vê.
Há, entre elas, razão econômica importante. O sociólogo norte-americano Richard Sennett, professor na NYU, estuda as relações de trabalho, que expôs no livro “A corrosão do caráter”, e em “A cultura do novo capitalismo”. Segundo ele, cada jovem americano universitário “pode esperar mudar de emprego mais de onze vezes e trocar sua aptidão básica no mínimo outras três durante sua vida de trabalho”. O que o fará mudar de cidade várias vezes, e de amizades. As amizades antigas se esvaem e as novas se fazem por vínculos fluidos. Nos novos lugares, ainda que haja alguma vida social, “ninguém neles se torna testemunha a longo prazo da vida de outra pessoa”.
Em uma bolha, sem vínculos sociais permanentes, sem identidade a compartilhar, será essa uma condição imposta ao futuro?
Estamos ante uma das questões centrais da contemporaneidade: a capacidade de desenvolver a interação ou de desenvolver o isolamento. Não serão as altas tecnologias que nos darão o rumo; elas são uma realidade a conduzir. Como Sennett, sou cético quanto a que “um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros” possa preservar sua legitimidade por muito tempo.
Esse tema essencial também se coloca para a urbanística.
A cidade não é só influenciada, é influenciadora. Não é toda poderosa, mas tem poder.
A segregação espacial urbana é estimulada por muitos modos, também pelo marketing imobiliário. A ausência de serviços públicos, inclusive o de segurança, em partes consideráveis da cidade, tem sido uma justificativa para o isolamento de parcelas da população que alcançam determinado padrão de renda e mantém a ilusão de que, à parte, podem se salvar do turbilhão. Tal atitude é um claro reforço à segregação.
Mas, ao invés da segregação espacial, a resposta consequente é o compromisso de universalizar os serviços públicos, isto é, reduzir a enorme desigualdade intra-urbana. A desigualdade intra-urbana é parceira do aumento da desigualdade de renda, mas tem autonomia. Em tempos de incerteza e de fragmentação, importa o reforço do papel político fundador da ideia de cidade, lugar da interação e do encontro.
No Rio, ademais, temos um antídoto poderoso ao isolamento: a identidade carioca. Sim, ela existe, e é forte. Formada historicamente na simbiose entre cultura, arquitetura e referenciais geográficos permanentes, ela ainda tem o espaço público como cerne. Não subestimemos o poder do espaço urbano vivido compartilhadamente com liberdade e amor.
É um contraponto à falta de identidade e de referências que os donos do mundo nos querem exigir. Mais cidade, não menos cidade, é o melhor caminho.