O GLOBO dez 2014
A violência urbana no país tem estreita relação com o domínio territorial de partes das cidades por milicianos ou traficantes armados. No Rio, o fenômeno é antigo, mas desde a implantação das primeiras UPPs firmou-se a percepção de que o problema tem solução.
Contudo, nos últimos meses, as dificuldades tem se ampliado. O secretário José Mariano Beltrame chamou atenção para a difícil circulação das forças policiais em vielas, pedindo a abertura de ruas.
Está certo o secretário em associar o sucesso da política de segurança à qualificação do espaço urbanístico. Mas há ponderações a fazer.
Como sabemos, as cidades são conformadas principalmente por três tipologias de habitação popular: loteamentos, favelas e conjuntos residenciais. São formas urbanas distintas, mas, em comum, em geral, têm escassez de serviços públicos, inclusive o de segurança. Há um histórico fastio dos governos em atuar nessas áreas pobres. Por isso, independentemente da forma urbana, se tornam espaços atraentes à ocupação marginal.
No Rio, há claros exemplos. Urbanisticamente, é loteamento o Batam; é conjunto residencial a Cidade de Deus; o Complexo da Maré, onde morreu o cabo do Exército Michel Mikami, integrante das forças de pacificação, inclui dez conjuntos residenciais. Todos são de topografia plana e têm ruas retas e foram ou são dominados por bandidos.
Algo semelhante ocorre nas principais cidades brasileiras, inclusive em conjuntos do programa Minha Casa Minha Vida, com expulsão de moradores e venda de moradias.
Convém lembrar a experiência dos programas Favela-Bairro (implantado em mais de 150 favelas cariocas) e Regularização de Loteamentos (em mais de 200), ambos da Prefeitura do Rio, nos anos 1990. Convém lembrar por duas razões. Primeira, a urbanização de favelas e loteamentos é viável técnica e economicamente. Segunda, a urbanização não é suficiente para manter os serviços públicos.
Construir redes sanitárias e pluviais em tecido ocupado, implantar ruas e caminhos acessíveis, realocar famílias e construir equipamentos sociais – essas principais tarefas de urbanização, é obra delicada. Não é para buldozers. Ela se faz com planejamento, segundo cada caso, com projetos estudados e debatidos com os moradores, com controle de preços e qualidade. É serviço sofisticado. Não demanda mecanismos de efeitos espetaculares, do tipo teleférico. O modelo tem reconhecimento internacional, várias vezes premiado, e está à vanguarda das teorias urbanísticas contemporâneas. Seu exemplo mais expressivo nos últimos anos está na Colômbia.
Mas não é uma panaceia contra o abandono. O que se viu depois das obras do Favela-Bairro e do Regularização de Loteamentos foi que os governos por um tempo mantiveram sua presença e paulatinamente foram se retirando. As forças da anomia se implantaram.
Isto é, a urbanização não pode ser encarada como um evento, uma obra. É um processo permanente. Como a cidade, demanda continuidade dos serviços públicos, incluindo o controle urbanístico e do uso dos espaços públicos, que têm papel pedagógico importante na vida social. Na cidade vige a interdependência.
A experiência das UPPs é definidora. Tanto por isso, Rocinha, Alemão e Maré indicam a necessidade de compreender os desafios de escala, seja para a urbanização ou para a prestação dos serviços. As ponderações do secretário Beltrame precisam ser acolhidas. Em especial, ao afirmar que o processo é uma caminhada que está no começo, mas que o caminho está traçado.
Hoje sabemos que a qualificação do espaço urbanístico – exigência democrática e condição para o desenvolvimento – é indispensável no combate à violência. Mas, não nos iludamos, é ainda uma conquista a ser alcançada, no Rio e no Brasil. É tarefa permanente que os três níveis de governo precisam tratar como política de Estado. O problema tem solução. Não pode ter volta.