Ainda que 85% da população brasileira viva em cidades; que metade da cidade esteja na irregularidade e que grande parte sob domínio bandido; que o transporte público seja algoz do tempo e da saúde dos cidadãos; mesmo assim, os programas de governo dos mais destacados candidatos à Presidência não contemplam, ou pouco contemplam, a questão urbana. Imaginariam que se trata de um problema local?
Políticas públicas de economia, de renda, de educação, de saúde, de segurança, de direitos identitários, são indispensáveis para o desenvolvimento do país e da sociedade. Mas não podem ser abstrações a flutuarem no espaço nacional. Elas precisam descer ao território onde vivem as pessoas.
A questão habitacional é caso exemplar.
Desde que se acelerou a urbanização do país, a demanda por moradia cresceu exponencialmente. Em 1940, o Brasil urbano tinha dois milhões de domicílios e alcançou sessenta milhões em 2015, abrigando 180 milhões de brasileiros.
Do BNH até o MCMV, todos os governos trataram o tema como apoio à política econômica. Para a moradia popular, optaram pela construção de conjuntos residenciais, definidos entre governos e empreiteiras, localizados onde de interesse deles e na qualidade construtiva que melhor lhes aprouvesse. Queriam estimular a construção civil, boa geradora de empregos. Autoritários e paternalistas, os governos não deram chance de escolha à família pobre: ou aceitavam ou se virassem para terem sua casa. Ante a enorme carência não superada, ainda posavam de beneméritos auferindo lucros também eleitorais.
A classe média teve outro tratamento. Obteve crédito através do mercado imobiliário ou atribuído à família para construir sua casa. Porém, episódico, e insuficiente ante a demanda crescente.
Todos os programas somados construíram um quinto das moradias, ou seja, 80% dos domicílios urbanos resultaram exclusivamente da iniciativa das famílias, com seus escassos recursos poupados dia a dia, sem financiamento.
Assim, metade das moradias urbanas, trinta milhões, situada em loteamentos populares de periferia e em favelas, tem inadequação, como precariedade construtiva, insalubridade e falta de saneamento. Nossas cidades expandiram exageradamente e em baixa densidade, sem infraestrutura universalizada, e com transporte público que penaliza os mais pobres.
As propostas dos principais candidatos chovem no molhado. O único programa que propõe uma meta prevê construir um milhão de moradias no mandato. Mas o país continuará construindo cerca de 1,6 milhão de moradias por ano.
As diretrizes propostas pelos candidatos, por ótimas que sejam, conseguirão atingir seus objetivos sem que estejam espacializadas? Haverá desenvolvimento econômico com as cidades sem infraestrutura, sem boa mobilidade, sem controle urbanístico? Empreendedores conseguirão gerar empregos? Poderá haver desenvolvimento social com metade das moradias na precariedade e na insalubridade? Teremos segurança pública sem que a Constituição esteja valendo em toda a cidade? Poderemos atender aos reclamos do planeta com cidades predadoras de território, expandidas exageradamente, sem urbanizar nossas favelas e loteamentos populares? Teremos democracia forte mantendo as enormes desigualdades intra-urbanas?
Por mais significativas e importantes que sejam as políticas propostas, elas precisam descer, sair do mundo da lua, chegar ao quotidiano do cidadão, alcançar o espaço onde a quase totalidade da população brasileira mora, trabalha, se diverte, sofre, e usufrui de seu tempo neste mundo.
A cidade pode muito. Mas precisa de nossa atenção e cuidado.