O Globo 12 ago 17
Vamos conceder o benefício da esperança para a ação federal contra a violência no Rio. Vamos torcer para que os ministros Jungmann e Etchegoyen sejam bem sucedidos. Mas, nossos melhores desejos não bastarão.
A ação será útil, sim; mas, para ser efetiva, precisará ser mais que um episódio. Quem sabe possa ser o embrião de uma política de Estado que cubra com o manto da Constituição toda a cidade?
Há décadas deixa-se crescer a atuação de bandidos armados em áreas populares. Com o domínio do território, monopolizam outras atividades econômicas além da droga, como o gás engarrafado, festas, transporte alternativo, até a imobiliária. Traficantes ou milicianos, com poder absoluto, submetem os moradores às suas leis e, de seu domínio, extrapolam suas ações.
A Zona Norte ilustra como a bandidagem atua tanto em bairros organizados como em áreas informais. Região bem estruturada, perde vitalidade enquanto cresce a violência. A Baixada Fluminense vive situação semelhante, agravada por infraestrutura deficiente.
Investimentos importantes foram feitos nessas regiões. Destaco o programa Favela-Bairro, que construiu infraestruturas e equipamentos sociais em dezenas de favelas, o Morar Legal, em loteamentos populares, e o Rio-Cidade, nos centros de bairros, todos nos anos 1990; o Bairro-Escola, em Nova Iguaçu, urbanizou dezenas de bairros, nos anos 2000; o Bairro Maravilha, nos anos 2010. O testemunho é que tais locais tiveram melhora patrimonial, aumento do empreendedorismo e redução da violência enquanto os governos mantinham atenção sobre eles.
Porém, uma vez retornados ao abandono histórico, na escassez de serviços públicos, a violência se reimplanta com dobrado ânimo. E com graves perdas adicionais: fortes lideranças de moradores foram assassinadas ou obrigadas a se mudarem, deixando suas casas para os bandidos.
Com as UPPs o horizonte voltou a ser promissor, a sugerir que o projeto seria precursor da permanência dos governos. Não foi o que se viu, infelizmente.
O secretário Beltrame clamou por projetos sociais nessas áreas. Talvez tenha enunciado mal a questão, e foi mal interpretado. Projetos sociais existiam, diziam as autoridades, nomeando equipamentos de educação e saúde, entre outros. Não faltava projeto social, mas faltava Estado. Por exemplo, o controle urbanístico e edilício, prerrogativa das mais claras do poder público em uma cidade, foi nulo. Tampouco vigiam as leis do inquilinato e da liberdade de comércio. Da Justiça, quase nada.
Está visto: no Rio e nas principais cidades brasileiras a abstensão do poder público deve ser elencada entre as razões maiores da violência urbana. Violência que compromete a cidadania e o desenvolvimento, agrava a desigualdade social e solapa a democracia.
A atuação de tropas federais no Rio até o fim de 2018 será mais um episódio ou será o início de uma nova política?
A declaração do presidente da República, “já diminuiu enormemente o índice de criminalidade”, preocupa. Pode sugerir que crê em mágica ou que dimensiona mal o problema. É preferível atribuí-la ao entusiasmo com o primeiro passo de longa caminhada.
O combate à violência urbana não é obra de prazo curto, mas política de Estado, a construir. Não sendo tarefa setorial, deve incluir as forças armadas e as polícias, sim, mas de igual modo as demais funções de governo, das três instâncias de poder. E, é claro, a sociedade. O Rio poderá ser o lugar-piloto?
Não há mudanças na Previdência ou na CLT que sustentem o desenvolvimento sem a recuperação da cidade brasileira – fonte da cultura, da inovação, do conhecimento, da ciência, da tecnologia, do empreendedorismo, da política. Serão apenas voos de galinha.
É dever de Estado a proteção constitucional plena da cidade brasileira! Não nos iludamos, porém: é obra dificil que implica em reversão do histórico desprezo para com as áreas populares.