Sérgio Magalhães
Coerente com a ideia de que a sociedade brasileira trata o improviso com muita consideração, nossas ações ora vão em um sentido, ora pegam sentido em contrário, ambos assumidos com igual ênfase e convicção. Costumamos ver as regras se alterarem de oito a oitenta com grande rapidez e leveza.
Talvez esteja nessa nossa característica uma das explicações para o relativo fracasso dos sistemas de planejamento, não apenas os edilícios ou urbanísticos, mas também os econômicos, os políticos e demais. Infelizmente, quase nunca com resultado inócuo.
Agora, no chamado Museu do Índio, em obra externa ao estádio do Maracanã, houve um vertiginoso percurso da demolição ao tombamento, em dias. Abandonado por décadas, o imóvel foi ocupado por indígenas que passaram a designa-lo por Aldeia Maracanã. Quando se soube que seria demolido para dar lugar a área de dispersão do estádio (ou a estacionamento, não ficou claro), uma manifestação política se opôs à demolição, obteve apoio judicial e culminou com a desistência do governo na ação. A seguir, anunciou o governo que proporá o tombamento do edifício.
Ainda no mesmo âmbito, estão os projetos divulgados para interligarem o Maracanã à Quinta da Boa Vista, passando por cima da ferrovia. De um complexo com lojas, milhares de vagas para estacionamento e uma praça na superfície elevada, passou-se, segundo noticiou a coluna de Ancelmo Gois, a uma passarela, bastante singela, com presumíveis 540 metros de comprimento (sim, mais de meio quilômetro), sem lojas e sem nenhuma vaga para estacionar.
Também o caso da avenida Rio Branco. De mais elegante espaço publico brasileiro, a antiga Avenida Central tornou-se nas últimas décadas em canal de transporte coletivo metropolitano. Em cada abertura de semáforo –talvez um minuto, passam pela Rio Branco, na esquina com avenida Almirante Barroso, entre 20 a 30 ônibus, mais os automóveis. Pois dessa exuberância, mediante estudos de remanejamento, a Prefeitura anuncia que transformará esse trecho em exclusivamente para pedestres.
Não são apenas empreendimentos públicos que fazem esse vai-e-vem. Privados também seguem igual doutrina. Sob a chancela de Eike Batista, a Marina da Glória, no Aterro do Flamengo, foi projetada com um centro de convenções-shopping associado. A contestação que recebeu de ambientalistas logo a fez rejeitada publicamente pelo empreendedor. Passados alguns meses, rejeita-se a rejeição e retorna o primeiro modelo, algo reduzido.
Depois de fatos negativos de grande repercussão, leniências dão lugar a alto rigor, como fazem governos em todo o Brasil, após a tragédia em Santa Maria. É justo, mas também é recorrente. Vai-se de proibido a compulsório sem transição.
Projetos são antevisões. Logo, podem ser modificados; é do processo. Mas, percorrer em segundos do oito ao oitenta, não parece coisa adequada para prancheta de arquiteto, está mais para Fórmula 1.
Pois projeto também é ideia –não são plumas ao vento.