O GLOBO 16 jun 18
Três notícias publicadas em O Globo, semana passada: – denúncia de oferecimento de dinheiro a prefeitos nordestinos para apoio a candidatos representantes de milícias; – ex-presidente da República avalia que nesta eleição “não será fácil fazer o povo votar” em candidatos tradicionais; – ex-governador admite: dos R$ 500 milhões recebidos de empreiteiros, fez uso pessoal de parte, o restante gastou para eleger prefeitos, vereadores e deputados, e o fazia por vaidade para ter mais poder.
A ideia de “fazer o povo votar” em determinado candidato, isto é, manipular o voto, seja por noção equivocada de patriotismo, por interesse mesquinho ou por vaidade, por certo é uma das matrizes da atual crise de representação política.
Optando pela cooptação espúria, ao invés de desenvolver a cidadania, as forças políticas descomprometeram-se para com a tarefa de prover o país e as cidades, onde moram 85% dos brasileiros, das infraestruturas e serviços públicos indispensáveis à vida contemporânea. O Estado não acompanhou as cidades.
“Serão os mais pobres e os mais fracos que conhecerão primeiro os efeitos da depredação e da violência” – diz a professora Maria Alice Rezende de Carvalho em lúcida reflexão formulada no início dos anos 1990. Ao cunhar a expressão “cidade escassa”, sintetizou “a dificuldade com que os poderes constituídos ingressam nos territórios da pobreza urbana”. E acrescenta: “O fantasma é o da emergência de mandonismos locais, com a imposição de apropriação privatista por contraventores, bandidos, políticos clientelistas, seitas e igrejas, num condomínio que faria corar, por amadorismo, a ordenação oligárquico-clientelista da República Velha”.
Tal cenário, compatível com a realidade de hoje, configura-se em uma questão moral com larga repercussão institucional e que subverte a representação política. Não é algo inédito, porém.
Ao fim da Segunda Grande Guerra, a Europa estava dizimada. Um descalabro econômico e material, com milhares de cidades devastadas. Segundo o historiador inglês Keith Lowe (“Continente Selvagem”, Ed. Zahar, 2017), o arraso das instituições políticas, o comprometimento das antigas lideranças e a naturalização de graves questões morais teriam sido as maiores dificuldades a superar.
O exemplo europeu é relevante. A recuperação se deu partir da recomposição político-institucional e moral, resultado da compreensão de que o caminho da unidade européia, ainda que entre povos que se guerrearam, é que poderia potencializar novas energias restauradoras.
Nós não temos nossas cidades devastadas por guerra. Mas elas estão degradadas pela insuficiência de infraestrutura, pela escassez de serviços públicos e pela violência. Sobretudo, pela desigualdade social a comprometer o horizonte de mais uma geração. A crise política acompanha grave crise moral, que se evidencia na eternização das injustiças intra-urbanas.
Não temos cidades devastadas pela guerra, o que nos subtrai marcos simbólicos a vencer. Mas poderemos firmar metas específicas de qualificação urbano-metropolitano que nos ajudarão a cumprir uma etapa de reabilitação econômica, moral e política.
As próximas eleições podem constituir uma oportunidade para superação das idiossincrasias danosas em defesa de um novo ambiente brasileiro. Quem sabe outubro possa sinalizar o desejo pela unidade na ética política sem perda das diferenças legítimas? Será que nosso voto poderá ter tal significado, agora que estão explicitados métodos amorais desmoralizados pela rejeição da cidadania?
O branco, a cor da paz, é formado pelo movimento de todas as cores.