No chamado debate nacional, dois temas prevalecem: o econômico e o político.
No econômico, parece haver sempre uma emergência que se não for superada afundará o país, emergência que troca de pele periodicamente, como as cobras. Troca de pele e nos deixa encantados como sapo ante a algoz. É mágica,
Do movimento de outras cobras trata o tema político. Dificilmente se debatem políticas públicas, mas firulas dos arranjos que alimentam as máquinas eleitorais. Faz-se política para ganhar eleições para fazer política para ganhar eleições. É narcísica.
Para variar esse prato feito, mudam-se os molhos conforme a estação: enchentes, epidemias, tuítes, eventualmente uma polêmica cultural, de gênero ou étnica.
Porém, além desses dois temas hegemônicos, há muitos outros importantes para o país.
Ademais, cresce a compreensão que as coisas são interrelacionadas, não podem ser vistas só setorialmente. Assim, por exemplo, tratar economia dissociada do social e do urbano, no mundo do século 21, é um anacronismo. Ainda que nossos problemas econômicos sejam enormes, eles não serão equacionados se isolados dos demais agentes do desenvolvimento.
Também no âmbito da política. Ela não será transformadora se se bastar em seus meandros.
Você acha que agentes públicos indicados por afinidade religiosa ou para pavimentarem a próxima eleição evitarão as enchentes em São Paulo ou BH ou no Rio? Elas serão evitadas com o equilibrio fiscal? Ou, para serem atenuadas, será necessário também um redesenho urbanistico que contemple, entre outros fatores, o modo de ocupação do solo? Será possível fazer isso sem Planejamento, em um mandato? Será possível sem que se debata o tema? Sem que a sociedade acorde metas mediadas pela política?
A ONU reconhece a interdependência entre os fatores, globais e locais, que podem conduzir a um mundo melhor, mais equitativo, respeitador do ambiente e das exigências dos povos. Assim, definiu um ideário a que chamou por Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS. Eles são um norte para que os países assumissem compromissos ante questões fundamentais das próximas décadas.
Entre os 17 ODS, pelo menos oito são diretamente relacionáveis à vida nas cidades. Como o mundo já é majoritariamente urbano, faz sentido essa proporção. Vejamos como são interrelacionados:
Para enfrentar a questão da “Água potável e saneamento”, poderemos universalizar água e esgoto só com medidas empresariais-financeiras ou precisaremos considerar o modo como se expande a cidade? Teremos “energia limpa e acessível” sem considerar a mobilidade urbana?
Um dos ODS propõe “redução da desigualdade”. No ranking da desigualdade de renda, entre dezenas de países avaliados, o Brasil ocupa o pódium. Mas, esse péssimo índice econômico não reflete toda a má situação, pois, é claro, a desigualdade se potencializa em um lugar onde os serviços públicos são escassos ou inexistentes – caso de muitas áreas urbanas.
Apoiar os esforços para vivenciar o ideário da ONU e da ONU-Habitat é um estímulo para sairmos da bipolarização reducionista em que estamos envoltos.
Até para que a economia e a política progridam é desejável que outros times adentrem o gramado. Jogando sozinhos, jogadores ainda que craques, sentem-se mágicos; estando sempre no foco, falam demais, querem mandar até no turismo alheio.
É preciso superar a hegemonia da economia mágica (que tudo resolve) e da política narcísica. Será bom ampliar o torneio – tornar o jogo mais interessante, em que a torcida também participa. Talvez esse seja o mais relevante papel da Política.
Em 2020, o campo do jogo é a cidade. E a cidade é o Rio.
O GLOBO 15 fev 20