Eduardo Cotrim
Ainda que se entenda o discurso de muitos teóricos e lideranças de movimentos sociais, de que a favela tenha se tornado um lugar de resistência cultural, termo bastante expressivo, mas que infelizmente, nem sempre é bem explicado, por outro lado, não é possível sustentar que durante os últimos cem anos do Rio, a procura pela favela tenha sido uma espécie de opção, entre algumas que se apresentavam, por parte dos cariocas vindos ou natos.
Fato é que as favelas, no Rio, como nas demais cidades brasileiras, cresceram à revelia das iniciativas ou políticas nacionais de habitação, que, salvo alguns hiatos na linha do tempo, foram várias, importantes, volumosas e financeiramente significativas para o país. Mas por que as favelas se expandiram, seos agentes financeiros foram tantos e sucessivos, como a CAP, Caixa de Aposentadoria e Pensões, que deu lugar às CAPs, estas aos IAPs, Institutos de Aposentadorias e Pensões, seguidos pelo BNH, pelas Companhias Estaduais de Habitação, pela Caixa Econômica Federal e pelas redes de bancos privados associadas ao sistema financeiro público?
Entende-se ao menos parte do motivo. Do público alvo destes antigos programas, não constavam os não-assalariados, os não-portadores-de-contra-cheque, nem os pobres chegados das fazendas de café e açúcar, que sequer tinham o sonho da casa própria, porque precisavam apenas de um telhado. Além de tudo, a moradia a cores, tem sido, histórica e exclusivamente, objeto de compra e venda, através de repasses de financiamentos do agente construtor para o morador. Não havia até então outra fórmula.
O Rio esperou finalizar o século XX para criar um programa com casas subsidiadas, o Morar Carioca e o próprio Favela-Bairro, que interveio em mais de uma centena e meia de comunidades pobres, das quais o arquiteto Sérgio Magalhães tem mais autoridade para falar. As intervenções foram estruturais. Do Brasil, logo veio o programa de aluguel social e inicia o século 21 com o programa Minha Casa Minha Vida, que merece amadurecimento no plano de algumas condições urbanísticas, mas inclui famílias com renda de até 3 salários mínimos, algumas delas sem orçamento para alugar, hoje, uma casa no Vidigal, no Santa Marta ou na Tavares Bastos.
Em 1947, nos idos da construção do Pedregulho de Reidy, tido na época como habitação proletária, e era de fato, o Rio possuía 105 favelas, com 140.000 moradores. A população residente em favelas nessa época correspondia a 7% da população da cidade, que tinha os seus 2.000.000 de habitantes. Eram números desconcertantes para explicar. Em 2001, essa população passou a representar 19 % da cidade, ou seja, dos quase 6.000.000 moradores da cidade, 1.100.000 já residiam em favelas.
A primeira iniciativa de habitação subsidiada no Rio, provavelmente, tenha sido a Vila Operária da Avenida Salvador de Sá, construída em 1906, para a moradia dos operários que abriram a própria avenida, merecidamente. De lá para cá, sendo cá um tempo muito recente, não houve, no Rio, nem no Brasil, um só aceno dos poderes públicos às famílias constituídas com renda informal. O aluguel subsidiado não existia também, como forma de oferta de moradia e as iniciativas que, eventualmente, haviam eram pontuais, operadas por pessoas ou instituições, embora em países do velho mundo, como a França, o aluguel subsidiado pelo Estado, já existisse desde 1894.
Não faz sentido exigir no Brasil de hoje, que os tempos de ontem dêem uma solução, mas se as favelas se formaram como a única alternativa das famílias sem oportunidades de moradia regular, faltaram alguns exemplos de iniciativas dirigidas, que fossem apenas para algumas poucas famílias recém egressas das relações de trabalho escravo, lá na Princesa Isabel do final do século XIX. Faltaram, igualmente, iniciativas dos primeiros republicanos inspirados nos ideários positivistas, como dos segundos, dos terceiros e até aqui, boa parte dos novos republicanos.
Por fim, ainda é plenamente possível defender a hipótese da estética-ética do inacabado, mencionada no interessante artigo Banho de tinta, banho de “civilização” ?, mas a confirmação dessa hipótese não destruiria a outra, de origem – a de que a sociedade que se auto-proveu de moradia, não pensava a cores.
Por fim, ainda é plenamente possível defender a hipótese da estética-ética do inacabado, mencionada no interessante artigo Banho de tinta, banho de “civilização” ?, mas a confirmação dessa hipótese não destruiria a outra, de origem – a de que a sociedade que se auto-proveu de moradia, não pensava a cores.