O GLOBO 22/12/2018
“Eu não esperava tamanha perda de capacidade do estado”, diz o general interventor na segurança, em entrevista ao GLOBO. E ao se referir a compras não efetuadas: “O estado desaprendeu a fazer o processo licitatório”. O general fala do Estado do Rio de Janeiro. Mas bem poderíamos ampliar tal avaliação para o Estado brasileiro. No mesmo jornal, duas páginas depois, outra matéria: “Uma década após ganhar UPP, Dona Marta volta a conviver com fuzis”. – O domínio territorial em cidades brasileiras por milicianos ou traficantes, claro poder paralelo ao do Estado, e o corrompido sistema de licitações são duas tragédias nacionais. Contudo, parecem invisíveis aos governos e surpreendem até quadros qualificados. Não obstante o importante serviço prestado pelas forças federais de intervenção, bem como a avaliação do comandante de que a missão alcançou suas metas, encerra-se o prazo sem que a questão tenha sido colocada em sua dimensão estrutural. De fato, entre as seis metas explicitadas na entrevista citada, não encontramos a de recuperação do controle territorial por parte do Estado brasileiro. Ora, a garantia da Constituição em todo o território nacional é responsabilidade da União. Precisamos reconhecer que as forças locais não são suficientes para barrar o crescimento da anomia. Portanto, o trabalho conjunto pede continuidade e aprofundamento. Ele é essencial para o Rio de Janeiro superar a crise em que se encontra. Mas é igualmente crucial para o país.
Assim, a questão continua em aberto. Já o tema das licitações, embora não pareça, é associável ao da violência urbana. E suas consequências também, entre as quais o enfraquecimento da política, dos governos e da moralidade pública. As regras de licitação vêm sendo modificadas passo a passo em processo de crescente permissividade. Começou com a Petrobras, depois com as obras para a Copa, o PAC, a Olimpíada, o Minha Casa Minha Vida, chegando ao ápice em 2015, quando o “inovador” regime chamado por Contratação Integrada passou a valer para todas as obras públicas. O que ele tem de absurdo? Por que é alavanca para a corrupção, para obras de baixa qualidade e alto custo? A Contratação Integrada autoriza que os governos façam a licitação sem projeto, transferindo-se à empreiteira a tarefa de projetar e de construir a obra para a qual será contratada. Ora, sem projeto independente e prévio, a empreiteira fará o que lhe for mais conveniente, inclusive o ajuste com os agentes públicos contratantes. É um ralo certo para escoar os dinheiros públicos. Esse sistema escuso engessa a administração séria no emaranhado de salvaguardas, como viu o general; mas é permissivo para as exceções que se tornaram regra nas obras públicas.
Como não há argumento racional e honesto que sustente o alheamento do Estado brasileiro em relação ao território urbano dominado pela bandidagem, com seus altos custos econômico, social, político e em vidas sacrificadas, tampouco há argumento racional e honesto que sustente o atual sistema de licitação de obras públicas, com o caos na mobilidade urbana (veja-se depoimento de dirigentes da Fetranspor), a falta de saneamento, obras caras e inacabadas Brasil afora. Com esse binômio perverso, dominação bandida e licitação corrompida, as cidades não conseguem cumprir seu papel essencial para o bem-estar dos cidadãos e para o desenvolvimento do país. Elas estão submetidas e amarradas. Por tudo, é inegável a responsabilidade do governo federal, seja por omissão, em uma, ou ativismo, em outra. Haverá limite para a tolerância dos brasileiros? Qual é o limite? –
Com novos governos sempre se renova a expectativa, ainda que frágil. Mas o tema urbano tem ficado à margem dos debates eleitorais e seguintes. Contudo, gostaria de encerrar o ano com mensagem positiva, com otimismo. Assim, o que me ocorre é desejar a todos, caros amigos, um Feliz Natal e Bom Ano de 2019.