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Entrevistas

Sai do armário, Romer!

By 14/10/2010agosto 20th, 2021No Comments

O economista americano Paul Romer concedeu uma polêmica entrevista para Leandra Peres e o jornal Valor defendendo a criação de cidades onde “tudo funcionaria na direção do desenvolvimento – sob governo estrangeiro”.
Leia aqui: Por que ser pobre?

E foi para ela, a convite do Cidade Inteira, que o nosso colega arquiteto e urbanista Manoel Ribeiro escreveu as seguintes considerações.

Sai do armário, Romer!
Manoel Ribeiro*
Especialmente para o CI

Lendo a entrevista encaminhada pelo Sérgio e aceitando o seu desafio, encaminho algumas considerações.

Em primeiro lugar, Romer ignora o conceito clássico de soberania:

“Soberania relaciona-se a poder, autoridade suprema, independência (geralmente do Estado). É o direito exclusivo de uma autoridade suprema sobre uma área geográfica, grupo de pessoas, ou o self de um indivíduo. Soberania é o domínio sobre um território. Inclusive no que toca à gestão. Conceder autorização para instalações militares, exploração de recursos naturais, patentear a biodiversidade, exercer o poder de polícia etc, estariam entre essas atribuições.”

Delegar a administração de uma cidade a outro Estado ou empresa significa abrir mão da soberania. A contratação de empresas para cuidar da aduana, como ele exemplifica, reproduz o que aconteceu no nosso País, após a independência, quando a dívida portuguesa com a casa Rotchild londrina, foi repassada ao Brasil. Nossa alfândega era controlada por um funcionário do Banco Rotchild que apropriava 20% da receita do movimento comercial, para abater a tal dívida.

No correr da entrevista, a recorrência de exemplos sobre o Haiti revela as mesmas intenções que a presença maciça de “mariners” naquele país, que teve aceitação “voluntária” do governo nacional na fragilíssima situação pós terremoto.

Para o Haiti, ter uma cidade que se transforme no “hub” de toda uma região é um absurdo, já que uma cidade desse porte num país como o Haiti, drenaria toda a energia e os recursos nacionais (e dos países vizinhos) para um só ponto do seu território. Seria um pais de uma só cidade central, provavelmente cercada de favelas “fuori muri”. A pergunta que se faz é como viveriam essas populações excedentes desse “édem” econômico e financeiro.

Quando Romer reconhece que o Haiti talvez não tenha uma democracia consolidada mas que o Brasil, com sua presença, poderia garantir um controle democrático efetivo na cidade proposta, fixando a “meta de inflação” e tomando decisões sobre a taxa de juros, ele esquece que o mercado financeiro não vem demonstrando competência para se administrar, exigindo dos estados nacionais vultosos aportes de recursos para cobrir seus erros. Como se pode propor a “financeirisação” da administração de uma cidade em território soberano? A privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos não pode prevalecer em sociedades democráticas.

Mas o clímax da cara de pau ocorre quando afirma que a ausência do voto livre não impediria as pessoas de ir para essa nova cidade. Nesse ponto Romer “saiu do armário”. O que ele quer dizer? A decisão de migrar para esse ou aquele país não a transforma numa maneira democrática e socialmente justa de viver. Talvez essa decisão revele apenas a iniqüidade de outros locais de onde esses contingentes populacionais estão fugindo.

Fã da prática chinesa de controle da “crimilalidade”, Romer ainda se supera, quando propõe que o Brasil assuma a iniciativa de criar e administrar uma dessas cidades internacionalizadas no Haiti. Caso essa idéia maluca se concretizasse, como poderíamos nos opor a idêntica proposta na Amazônia, retirando-nos todo o controle sobre a rica bio-diversidade da região?

Concluindo, o conceito de desenvolvimento utilizado por Romer é arcaico e ultrapassado. O PIB não representa uma garantia de bem estar de uma população e apenas mede o volume das transações comerciais. Crer que todos os países percorrerão o mesmo caminho na direção de melhores condições de vida para todos não é só equivocado, mas sobretudo enganador e perverso.

Estou desconfiado que esse tal de Romer, por suas posturas aéticas e falaciosas é o popular patriarca da família Simpson.