*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 303 – junho/2013
Duas são as paisagens culturais que hoje pontuam o território brasileiro: o “espigão”, no Brasil urbano; e a soja, no Brasil rural.
Duas são as paisagens culturais que hoje pontuam o território brasileiro: o “espigão”, no Brasil urbano; e a soja, no Brasil rural.
(Espigão –o edifício alto- e soja foram recentes pautas da mídia. O primeiro, em série de reportagens de O Globo, mostrando sua disseminação em cidades médias e grandes do país. A soja, por conta de sua avantajada produção que fica estacionada em caminhões ao longo de estradas congestionadas que demandam os portos, também congestionados.)
Ambas as paisagens são sinais de um país que cresce. Mas, para que não signifiquem uma chegada tardia ao século passado, é necessário um reequilíbrio compatível com as expectativas do século 21.
Na nossa contemporaneidade, firmam-se conceitos associados à nova compreensão sobre os limites do planeta, o bem estar geral a que precisamos corresponder. Assume-se como indispensável o respeito ao lugar e às suas preexistências. O desperdício, seja de energia ou de meios, não é aceitável. O espaço é o da diversidade. O crescimento não pode se dar sobre tábula rasa, seja ambiental, cultural, social ou econômica.
Como vemos no panorama urbano brasileiro, a imagem ambiental das cidades cada vez mais é definida por altos edifícios com dezenas de andares –o “espigão”. Esse modelo vigora de norte a sul, de leste a oeste, e se torna homogeinizador da paisagem cultural, ainda que em situações de diversidade geográfica.
Tornou-se fácil construir um espigão. A tecnologia construtiva é de amplo domínio; os elevadores são relativamente baratos; os riscos econômicos são reduzidos e os recursos financeiros são facilitados através da venda em condomínio.
Nas cidades que passam agora pelo boom imobiliário, em geral, o espigão é erguido em local com escassez de infraestrutura sanitária, de mobilidade e de serviços públicos –situação, aliás, típica da maior parte das áreas urbanas. Erguido junto a residências e baixas construções, cria uma relação entre escalas que desqualifica o ambiente existente. Os preços baixos dos terrenos permitem lucros proporcionais à altura da edificação. Assim, há estímulo para ampliar a produção.
Há estreito vínculo entre empreendedor imobiliário e prefeitura, que vê oportunidade de reforço de caixa com as aprovações –quando não se busca também uma ajuda às próximas eleições; ademais, na percepção popular, o edifício alto pode ser visto como signo de progresso.
Mas o poder público detém o monopólio da legislação urbanística no pressuposto de definir os volumes a edificar capazes de compor o melhor espaço urbano, tudo no interesse coletivo. Na medida em que negocia a altura dos edifícios a construir, admitindo mais andares mediante pagamento, transfere ao empresário aquela atribuição. Assim, não é mais o conceito de melhor configuração urbana que prevalece, mas o de maiores benefícios financeiros. Não é o espaço público que vige, mas o lote.
De certo modo, esse descompasso é uma contrafação à ideia constitucional que dá ao poder público o monopólio da legislação urbana, no interesse da composição do conjunto construído, em harmonia com o espaço público. E, embora possa estar apoiada em leis, nem por isso essa atitude passa a ser legítima.
A soja segue caminho semelhante. Vai ocupando terras das coxilhas do Rio Grande às matas da Amazônia, passando pelos pinheirais do Paraná e pelo cerrado do Centro Oeste. Tudo se uniformiza com complementos e corretivos químicos para fazerem a terra produzir – ainda que o sistema hídrico se banalize com os agrotóxicos. A grande escala se impõe e expulsa a diversidade, seja ambiental, seja produtiva.
Colhida a soja, chegar ao destino já é outra questão. Construído o espigão, circular pela cidade já é outro departamento.
Pasteurizada a paisagem cultural, é o século 20 que nos acena. Para prosseguirmos rumo à contemporaneidade, precisamos dos ajustes que este nosso tempo nos sugere. A decisão é nossa.