No mundo majoritariamente urbano, a boa cidade é condição para o desenvolvimento.
A pandemia pôs em evidência a interdependência entre economia, política, sociedade, planeta e cidade. Caiu por terra a convicção muito difundida de que a cidade dependeria do crescimento econômico para ser melhor e menos desigual. De fato, a cidade é receptiva, mas também é ativa em relação aos diversos fatores constituintes da vida em sociedade. Emerge uma outra convicção, a de que não haverá desenvolvimento sem cidades ajustadas às exigências contemporâneas.
Há pouco mais de um ano, em entrevista ao Le Monde, o centenário filósofo francês Edgar Morin sugeriu a possibilidade das forças do bem saírem vitoriosas no pós-pandemia, ainda que hoje sejam fracas e dispersas. E que, nessa situação, quando o improvável pode acontecer, é sadio tomarmos o partido da esperança.
Penso que essa compreensão foi central para os debates no 27º Congresso Mundial de Arquitetos UIA2021RIO, que se realiza principalmente de modo digital com participação de centenas de conferencistas, palestrantes e debatedores de todo o mundo, oferecendo suas experiências e reflexões.
Ressalta-se entre elas o entendimento de que nossas cidades precisam ser redesenhadas ante os desafios deste século 21. Elas precisam corresponder à sua condição essencial de lugar da interação e das oportunidades, da tolerância e da anti-segregação, do conhecimento e da inovação, das principais trocas culturais e econômicas. Como diz matéria publicada pelo New York Times, em maio de 2020, “apesar de todas as suas falhas, as cidades são a infraestrutura da igualdade”.
Alguns conceitos emergem como consensuais nas reflexões dos congressistas. Tal como o de que a boa cidade exige a universalização dos serviços públicos, inclusive o de segurança, seja para promover o desenvolvimento, seja como imposição ética insuperável.
Nas nossas cidades brasileiras, tão abandonadas há décadas, é necessário reconhecer o enorme potencial que resulta da incorporação das áreas populares, favelas e periferias, à plena condição de cidade. A urbanização desses assentamentos consolidados, com a redução da insalubridade e da precariedade das moradias, é uma tarefa que nossa experiência demonstra ser possível técnica e economicamente.
As cidades concentram os principais desafios em relação às mudanças climáticas. Para o seu enfrentamento, a expansão da ocupação urbana precisa ser contida. Esse é um processo difícil, visto a ideia prevalecente que identifica expansão da cidade com progresso. Contudo, é uma exigência de sustentatilidade e condiz com a qualificação dos sistemas de mobilidade, com o aproveitamento dos vazios urbanos, com densidade demográfica adequada ao aproveitamento de equipamentos e serviços, entre outros fatores.
São muitas as faces a serem redesenhadas para trazer nossas cidades para um século que se pretenda mais equitativo e que destaque valores de Humanidade. Planejar e projetar nossas cidades é uma delas. Visto que nossas cidades não deverão crescer em população, salvo algumas exceções, é preciso considerar que nosso sistema urbano está feito. Tratar a cidade como função de Estado, não de governo, há de ser uma política essencial.
A cidade é construção coletiva. A cidade saudável, justa e sustentável depende de políticas públicas democráticas, participativas e equitativas. Sobretudo, depende de nosso empenho e cuidado.
O Estadão, 17/7/2021